Gostou do artigo? Compartilhe!

Óculos com filtro de luz azul provavelmente não ajudam no cansaço visual, aponta estudo

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie esta notícia

A proposta dos óculos com filtro de luz azul é atraente: uma maneira fácil de neutralizar aquela sensação de olhos1 embaçados que surge depois de horas navegando no celular ou olhando para um computador.

As evidências para eles, porém, têm faltado em grande parte. E uma nova revisão de 17 estudos, publicada na Cochrane Database of Systematic Reviews, contribui para um consenso crescente de que eles provavelmente não previnem ou aliviam o cansaço visual.

A frase luz azul refere-se a uma gama de comprimentos de onda de luz que estão ao nosso redor – o sol a emite e as telas também. Nas últimas décadas, alguns especialistas se perguntaram se a luz azul poderia ser a culpada pela “síndrome da visão2 do computador” – uma condição que abrange irritação nos olhos1 e outros problemas, incluindo dores de cabeça3 e visão2 embaçada, que muitas pessoas experimentam após um longo tempo de tela. Mas culpar a luz azul por isso é controverso, disse Laura Downie, professora associada de optometria e ciências da visão2 na Universidade de Melbourne e autora da nova revisão.

Ela e a equipe descobriram que parecia não haver benefício no uso de óculos com filtro de luz azul, em comparação com lentes padrão, para reduzir o cansaço visual. Os ensaios incluídos na revisão foram relativamente pequenos – o maior teve 156 participantes.

Leia sobre "Fadiga4 ocular – ela está relacionada ao uso de telas?" e "Sinais5 oftálmicos que precisam de avaliação médica".

Na revisão os pesquisadores avaliaram lentes de óculos com filtro de luz azul para desempenho visual, sono e saúde6 macular em adultos.

Eles contextualizam que as lentes de óculos com ‘filtro de luz azul’ ou ‘bloqueio de luz azul’ filtram a radiação ultravioleta. Além disso, este tipo de recurso na lente impede que porções variadas de luz visível de comprimento de onda curto cheguem ao olho7. Várias lentes com filtro de luz azul estão disponíveis comercialmente.

Existem algumas alegações de que eles podem melhorar o desempenho visual com o uso de dispositivos digitais, fornecer proteção à retina8 e promover a qualidade do sono.

Investigou-se, portanto, as evidências provenientes de ensaios clínicos9 sobre estes possíveis efeitos e considerou-se quaisquer efeitos adversos potenciais.

O objetivo foi avaliar os efeitos das lentes com filtro de luz azul em comparação com lentes sem filtro de luz azul, para melhorar o desempenho visual, fornecer proteção macular e melhorar a qualidade do sono em adultos.

Foram realizadas buscas nas bases de dados Cochrane Central Register of Controlled Trials; Ovid MEDLINE; Ovid Embase; LILACS; o registro ISRCTN; ClinicalTrials.gov e WHO ICTRP, sem restrições de data ou idioma. A última busca nas bases de dados eletrônicas foi feita em 22 de março de 2022.

Foram incluídos ensaios clínicos9 randomizados (ECR), envolvendo participantes adultos, em que lentes de óculos com filtro de luz azul foram comparadas com lentes de óculos sem filtro de luz azul.

Os desfechos primários foram a mudança entre o início do estudo e um mês de acompanhamento no escore de fadiga4 visual e na frequência crítica de fusão ou oscilação da visão2 (FFC), como desfechos contínuos. Os desfechos secundários incluíram acuidade visual10 com melhor correção (AVMC), sensibilidade ao contraste, brilho desconfortável, proporção de olhos1 com achado macular patológico, discriminação de cores, proporção de participantes com redução do estado de alerta diurno, níveis séricos de melatonina, qualidade subjetiva do sono e satisfação do paciente com seu desempenho visual. Avaliou-se os achados relacionados a efeitos adversos oculares e sistêmicos11.

Seguiu-se os métodos padrão da Cochrane para extração de dados e avaliou-se o risco de viés usando a ferramenta Cochrane Risk of Bias 1 (RoB 1). Usou-se a abordagem GRADE para avaliar a certeza da evidência para cada desfecho.

Foram incluídos 17 ECRs, com tamanhos de amostra variando de cinco a 156 participantes e períodos de acompanhamento da intervenção de menos de um dia a cinco semanas. Cerca de metade dos ensaios incluídos utilizaram um desenho de braços paralelos; o restante adotou um desenho cruzado (cross‐over). Uma variedade de características dos participantes foi representada nos estudos, desde adultos saudáveis até indivíduos com problemas de saúde6 mental e distúrbios do sono.

Nenhum dos estudos apresentou baixo risco de viés em todos os sete domínios da ferramenta RoB 1. Julgou-se que 65% dos estudos apresentavam alto risco de viés devido ao fato de os avaliadores de resultados não estarem mascarados/cegos (viés de detecção) e 59% apresentavam alto risco de viés de desempenho, pois os participantes e os intervencionistas não estavam mascarados/cegos. Trinta e cinco por cento dos estudos foram registrados previamente em uma base de registro de estudos. Não foram realizadas metanálises para nenhuma das medidas de desfecho, devido à falta de dados quantitativos disponíveis, populações de estudo heterogêneas e diferenças nos períodos de acompanhamento da intervenção.

Pode não haver diferença nos escores subjetivos de fadiga4 visual com lentes com filtro de luz azul em comparação com lentes sem filtro de luz azul, em menos de uma semana de acompanhamento (evidência de baixa certeza). Um ECR não relatou diferença entre os braços de intervenção (diferença média [DM] 9,76 unidades [indicando sintomas12 piores], intervalo de confiança [IC] de 95% ‐33,95 a 53,47; 120 participantes). Além disso, dois estudos (com um total de 46 participantes, combinados) que mediram os escores de fadiga4 visual não relataram nenhuma diferença significativa entre os braços de intervenção.

Pode haver pouca ou nenhuma diferença na FFC com lentes com filtro de luz azul em comparação com lentes sem filtro de luz azul, medida em menos de um dia de acompanhamento (evidência de baixa certeza). Um estudo não relatou diferença significativa entre os braços de intervenção (DM ‐1,13 Hz menor [indicando pior desempenho], IC 95% ‐3,00 a 0,74; 120 participantes). Outro estudo relatou uma mudança menos negativa na FFC (indicando menos fadiga4 visual) com lentes com filtro de luz azul alto em comparação com baixo e sem lentes com filtro de luz azul.

Em comparação com lentes sem filtro de luz azul, provavelmente há pouco ou nenhum efeito do uso de lentes com filtro de luz azul no desempenho visual (AVMC) (DM 0,00 unidades logMAR, IC 95% ‐0,02 a 0,02; 1 estudo, 156 participantes; evidência de certeza moderada) e efeitos desconhecidos no estado de alerta diurno (2 ECRs, 42 participantes; evidência de certeza muito baixa). A incerteza nestes efeitos deveu‐se à falta de dados disponíveis e ao pequeno número de estudos que relatam estes desfechos. Não se sabe se as lentes oftálmicas com filtro de luz azul são equivalentes ou superiores às lentes oftálmicas sem filtro de luz azul no que diz respeito à qualidade do sono (evidência de certeza muito baixa). Encontrou-se achados inconsistentes em seis ECRs (148 participantes). Três estudos relataram uma melhora significativa nos escores de sono com lentes com filtro de luz azul em comparação com lentes sem filtro de luz azul, e os outros três estudos não relataram nenhuma diferença significativa entre os braços de intervenção. Observou-se diferenças nas populações entre os estudos e uma falta de dados quantitativos.

Os efeitos adversos relacionados ao dispositivo não foram relatados de forma consistente (9 ECRs, 333 participantes; evidência de baixa certeza). Nove estudos relataram eventos adversos relacionados às intervenções do estudo; três estudos descreveram a ocorrência de tais eventos. Os eventos adversos relatados relacionados às lentes com filtro de luz azul foram pouco frequentes. Estes eventos foram o aumento dos sintomas12 depressivos, dor de cabeça3, desconforto ao usar os óculos e humor mais baixo. Os eventos adversos associados a lentes sem filtro de luz azul foram hipertimia ocasional (hiperexcitabilidade emocional) e desconforto ao usar óculos.

Não foi possível determinar se as lentes com filtro de luz azul afetam a sensibilidade ao contraste, a discriminação de cores, o brilho desconfortável, a saúde6 macular, os níveis séricos de melatonina ou a satisfação visual geral do paciente, em comparação com lentes sem filtro de luz azul, pois nenhum dos estudos avaliou estes desfechos.

Esta revisão sistemática descobriu que lentes de óculos com filtro de luz azul podem não atenuar os sintomas12 de cansaço visual com o uso do computador, durante um período de acompanhamento de curto prazo, em comparação com lentes sem filtro de luz azul.

Além disso, esta revisão não encontrou nenhuma diferença clinicamente significativa nas alterações da FFC com lentes com filtro de luz azul, em comparação com lentes com filtro sem luz azul. Com base nas melhores evidências disponíveis atualmente, provavelmente há pouco ou nenhum efeito das lentes com filtro de luz azul na AVMC, em comparação com lentes sem filtro de luz azul.

Os efeitos potenciais na qualidade do sono também foram indeterminados, com ensaios incluídos relatando desfechos mistos entre populações de estudo heterogêneas. Não houve evidências provenientes de ECR relacionadas aos desfechos de sensibilidade ao contraste, discriminação de cores, brilho desconfortável, saúde6 macular, níveis séricos de melatonina ou satisfação visual geral do paciente.

Futuros ECRs de alta qualidade são necessários para definir mais claramente os efeitos das lentes com filtro de luz azul no desempenho visual, na saúde6 macular e no sono em populações adultas.

Veja também sobre "Astigmatismo13", "Degeneração macular14" e "Presbiopia15 ou 'vista cansada'".

 

Fontes:
Cochrane Database of Systematic Reviews, publicação em 18 de agosto de 2023.
The New York Times, notícia publicada em 17 de agosto de 2023.

 

NEWS.MED.BR, 2023. Óculos com filtro de luz azul provavelmente não ajudam no cansaço visual, aponta estudo. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1444125/oculos-com-filtro-de-luz-azul-provavelmente-nao-ajudam-no-cansaco-visual-aponta-estudo.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Olhos:
2 Visão: 1. Ato ou efeito de ver. 2. Percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista. 3. Algo visto, percebido. 4. Imagem ou representação que aparece aos olhos ou ao espírito, causada por delírio, ilusão, sonho; fantasma, visagem. 5. No sentido figurado, concepção ou representação, em espírito, de situações, questões etc.; interpretação, ponto de vista. 6. Percepção de fatos futuros ou distantes, como profecia ou advertência divina.
3 Cabeça:
4 Fadiga: 1. Sensação de enfraquecimento resultante de esforço físico. 2. Trabalho cansativo. 3. Redução gradual da resistência de um material ou da sensibilidade de um equipamento devido ao uso continuado.
5 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
6 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
7 Olho: s. m. (fr. oeil; ing. eye). Órgão da visão, constituído pelo globo ocular (V. este termo) e pelos diversos meios que este encerra. Está situado na órbita e ligado ao cérebro pelo nervo óptico. V. ocular, oftalm-. Sinônimos: Olhos
8 Retina: Parte do olho responsável pela formação de imagens. É como uma tela onde se projetam as imagens: retém as imagens e as traduz para o cérebro através de impulsos elétricos enviados pelo nervo óptico. Possui duas partes: a retina periférica e a mácula.
9 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
10 Acuidade visual: Grau de aptidão do olho para discriminar os detalhes espaciais, ou seja, a capacidade de perceber a forma e o contorno dos objetos.
11 Sistêmicos: 1. Relativo a sistema ou a sistemática. 2. Relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema; que se refere ou segue um sistema em seu conjunto. 3. Disposto de modo ordenado, metódico, coerente. 4. Em medicina, é o que envolve o organismo como um todo ou em grande parte.
12 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
13 Astigmatismo: Defeito de curvatura nas superfícies de refração do olho que produz transtornos de acuidade visual.
14 Degeneração macular: A degeneração macular destrói gradualmente a visão central, afetando a mácula, parte do olho que permite enxergar detalhes finos necessários para realizar tarefas diárias tais como ler e dirigir. Existem duas formas - úmida e seca. Na forma úmida, há crescimento anormal de vasos sanguíneos no fundo do olho, podendo extravasar fluidos que prejudicam a visão central. Na forma seca, que é a mais comum e menos grave, há acúmulo de resíduos do metabolismo celular da retina, aliado a graus variáveis de atrofia do tecido retiniano, causando uma perda visual central, de progressão lenta, podendo dificultar a realização de algumas atividades como ler e escrever ou a identificação de traços de fisionomia.
15 Presbiopia: Alteração da visão associada ao envelhecimento. Neste distúrbio existe uma maior rigidez do cristalino (órgão do olho que é responsável pela acomodação visual, ou seja, a propriedade que nos permite enxergar objetos próximos e distantes), que produz dificuldade para ver objetos próximos.
Gostou do artigo? Compartilhe!