A falta de "poda" dos neurônios pode estar por trás de muitas condições relacionadas ao cérebro
Usando várias grandes coortes de neuroimagem clínica e de base populacional, pesquisadores identificaram uma base neural compartilhada para vários transtornos mentais, a saber, o fator neuropsicopatológico. Esse fator geneticamente determinado pode representar um atraso no desenvolvimento dos circuitos neurais cerebrais na região pré-frontal, levando a uma função executiva1 deficiente. As descobertas foram publicadas na revista Nature Medicine.
Segundo os pesquisadores, muitas condições díspares, como depressão, fobias2 e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), podem ter a mesma causa subjacente: um atraso na “poda”, um processo no qual as conexões desnecessárias entre as células3 cerebrais desaparecem.
Varreduras cerebrais mostraram que adolescentes com mais sintomas4 de certas condições de saúde5 mental, autismo ou TDAH sofreram menos podas do que o normal nas conexões sinápticas entre os neurônios6.
A descoberta vem de um dos maiores estudos de escaneamento cerebral feito em adolescentes e foi confirmado em vários outros conjuntos de dados, incluindo de pessoas de outras idades. “Conseguimos mostrar que essas diferentes condições estão todas relacionadas a um único fator neurobiológico subjacente”, diz Barbara Sahakian, da Universidade de Cambridge.
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Os resultados dão peso a uma ideia controversa recente em neurociência de que muitas condições díspares compartilham uma causa comum – um conceito conhecido como fator p.
Até agora, isso se baseava principalmente no fato de que muitas pessoas têm mais de uma dessas condições ou podem ser diagnosticadas com diferentes condições em diferentes momentos de suas vidas, bem como em estudos de DNA que concluíram que o mesmo conjunto de variantes genéticas predispõe as pessoas a múltiplas condições.
Agora Sahakian e seus colegas estão propondo uma base neurobiológica para o fator p, que eles chamam de “fator neuropsicopatológico (NP)”.
Os pesquisadores fizeram sua primeira análise usando um conjunto existente de imagens de escaneamento cerebral para quase 2.000 adolescentes avaliados aos 14 anos, onde também havia informações sobre sintomas4 potencialmente relacionados que eles apresentavam.
Os participantes ou seus pais preencheram questionários para produzir pontuações para sintomas4 de condições de saúde5 mental, como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares e fobias2. Eles também foram pontuados para TDAH e avaliados quanto a sintomas4 de traços de autismo.
As pessoas que tiveram as pontuações mais altas para essas condições, indicando sintomas4 mais fortes, eram mais propensas a ter maior densidade de tecido7 no córtex pré-frontal, uma região externa do cérebro8 na frente da cabeça9. Isso, dizem os pesquisadores, indica uma falta ou atraso na poda em seus cérebros.
A poda é um processo misterioso que começa na infância, embora aumente dramaticamente na adolescência. Acredita-se que isso aconteça porque as sinapses – conexões entre as células3 cerebrais – que não são muito usadas são perdidas. “À medida que você aprende e seu cérebro8 fica mais eficiente, você se livra das sinapses extras que não deseja”, diz Sahakian.
Não foi possível quantificar o atraso da poda ou a diferença na densidade tecidual neste estudo, nem se sabe se aqueles que tiveram maior densidade tecidual no córtex pré-frontal nesta fase alcançam o restante da população mais tarde, pelo menos até certo ponto, diz Sahakian.
A descoberta foi confirmada em quatro outros conjuntos de dados de escaneamento cerebral, incluindo uma segunda coleção de escaneamentos cerebrais e pontuações de sintomas4 para quase 2.000 adolescentes, e dois estudos que incluíram pessoas na faixa dos 20 anos. Isso indica que a falta de poda cerebral também se correlaciona com a função cerebral na idade adulta.
A falta de poda foi proposta anteriormente como causa de esquizofrenia10, TDAH e autismo, mas não de outras condições.
Robert Plomin, do King's College London, que esteve envolvido em estudos genéticos que apoiam a ideia de um fator p, diz que a nova explicação proposta é plausível como contribuinte, mas pode não ser toda a história. “Você está procurando algo que seja um mecanismo geral”, diz ele.
No artigo, os pesquisadores descrevem uma base neural compartilhada subjacente à comorbidade11 psiquiátrica.
Eles apontam que estudos recentes propuseram um fator de psicopatologia geral subjacente a comorbidades12 comuns entre os transtornos psiquiátricos. No entanto, seus mecanismos neurobiológicos e generalização permanecem indefinidos.
Neste estudo, usou-se uma grande coorte13 longitudinal de neuroimagem desde a adolescência até a idade adulta jovem (IMAGEN) para definir um fator neuropsicopatológico (NP) em sintomas4 de externalização e internalização usando conectomas multitarefa.
Demonstrou-se que esse fator NP pode representar um desenvolvimento unificado, geneticamente determinado e atrasado do córtex pré-frontal que leva ainda mais a uma função executiva1 deficiente.
Também mostrou-se que esse fator NP é reprodutível em vários períodos de desenvolvimento, desde a pré-adolescência até o início da idade adulta, e generalizável para o conectoma do estado de repouso e amostras clínicas (a amostra ADHD-200 e o projeto Stratify).
Em conclusão, identificou-se uma base neural reprodutível e geral subjacente aos sintomas4 de vários transtornos de saúde5 mental, unindo evidências multidimensionais de substratos comportamentais, de neuroimagem e genéticos.
Esses achados podem ajudar a desenvolver novas intervenções terapêuticas para comorbidades12 psiquiátricas.
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Fontes:
Nature Medicine, publicação em 24 de abril de 2023.
New Scientist, notícia publicada em 24 de abril de 2023.