Fagoterapias para infecções por superbactérias estão sendo testadas, com resultados positivos observados para Klebsiella pneumoniae
Vírus1 que matam bactérias, conhecidos como fagos ou bacteriófagos, podem ser usados para tratar superbactérias resistentes a antibióticos, e a abordagem foi testada em mais de 100 pessoas na Bélgica desde uma mudança nos regulamentos em 2019.
“A fagoterapia está realmente se tornando mais comum, pelo menos na Bélgica”, disse Jean-Paul Pirnay, do Hospital Militar Queen Astrid, em Bruxelas, à revista New Scientist. “Coordenamos tratamentos com bacteriófagos em pouco mais de 100 pacientes.”
Pirnay diz que sua equipe planeja analisar todos esses casos e publicar os resultados em breve. “À primeira vista, eu diria que há uma melhora clínica em cerca de 70% dos casos”, diz. “Lembre-se, a maioria desses pacientes ficou desesperada depois que os antibióticos falharam.”
Leia sobre "A resistência aos antibióticos e as superbactérias" e "Usos e abusos dos antibióticos".
Em um artigo de pesquisa publicado na revista Nature Communications, Pirnay e colegas descreveram um desses casos em detalhes. Em março de 2016, uma mulher de 30 anos foi gravemente ferida em um bombardeio no aeroporto de Bruxelas. Apesar de ter recebido antibióticos quando internada no Hospital Erasme, na Bélgica, suas feridas infeccionaram, impedindo-as de cicatrizar.
Após vários meses, tratamentos intensivos com antibióticos causaram sérios efeitos colaterais2, mas não conseguiram eliminar a infecção3. A principal culpada foi uma cepa4 de uma bactéria5 chamada Klebsiella pneumoniae que é resistente a quase todas as drogas.
Uma das médicas, Anaïs Eskenazi, decidiu tentar a fagoterapia. Uma amostra da bactéria5 foi enviada ao Instituto Eliava em Tbilisi, Geórgia, para encontrar um bacteriófago que pudesse matá-la. O Instituto Eliava vem usando a fagoterapia para tratar infecções6 desde a década de 1920.
Depois de encontrar tal bacteriófago, o instituto evoluiu o vírus1 para torná-lo ainda melhor em matar a bactéria5. A terapia estava pronta em novembro de 2016, mas foi suspensa porque alguns médicos estavam preocupados com a segurança e a eficácia.
“Na época, havia muito pouca literatura científica sobre o uso de bacteriófagos, exceto em países onde a fagoterapia é usada há muito tempo, como Geórgia e Polônia”, diz Eskenazi, agora no Cayenne Hospital Center, na Guiana Francesa.
Em fevereiro de 2018, a mulher ainda não estava melhorando e finalmente foi tratada com o bacteriófago em combinação com antibióticos. Dentro de semanas, sua condição melhorou e seu fêmur7 quebrado finalmente começou a cicatrizar. Ela agora é capaz de andar novamente, geralmente com muletas, e está praticando esportes como ciclismo.
O artigo publicado descreveu em mais detalhes a combinação de terapia com bacteriófago pré-adaptado e antibióticos para tratamento de infecção3 por Klebsiella pneumoniae resistente a todos os antibióticos relacionada a fratura8.
A vítima de bombardeio de 30 anos com infecção3 por Klebsiella pneumoniae resistente aos antibióticos após antibioticoterapia de longo prazo (> 700 dias) foi tratada com um bacteriófago pré-adaptado junto com meropenem e colistina, seguidos de ceftazidima/avibactam. Essa terapia de resgate resultou em melhora objetiva clínica, microbiológica9 e radiológica das feridas e do estado geral do paciente. Em apoio, a combinação de bacteriófago e antibiótico é altamente eficaz contra a cepa4 de K. pneumoniae do paciente in vitro, em biofilmes maduros de 7 dias e em suspensões.
Apesar de resultados como este, existem vários obstáculos para o uso mais amplo da fagoterapia. Os bacteriófagos são específicos para bactérias específicas, e essas bactérias podem desenvolver resistência rapidamente, diz Ben Temperton, da Universidade de Exeter, no Reino Unido. A evolução ou “pré-adaptação” de bacteriófagos, como fez o Instituto Eliava, reduz a resistência, mas leva tempo.
“Os pacientes normalmente estão em uma longa jornada de regimes de antibióticos fracassados antes que os bacteriófagos sejam considerados”, diz Temperton.
Existem esforços para desenvolver fagoterapias “de prateleira” contendo um coquetel de diferentes tipos de bacteriófagos – a ideia é que pelo menos um funcione – mas isso exigiria ajustes contínuos para garantir que permaneçam eficazes.
“Quando possível, os médicos devem preferir o uso de bacteriófago pré-adaptado com antibióticos para obter a sinergia bacteriófago-antibiótico, o que torna o tratamento muito eficaz”, diz Eskenazi.
Esses problemas dificultam a obtenção de aprovação regulatória. Na época em que a mulher foi tratada, Eskenazi teve que obter aprovação especial para tentar a fagoterapia. Este continua sendo o caso na maioria dos países, razão pela qual as fagoterapias raramente são usadas.
No entanto, em 2019, a Agência Federal de Medicamentos e Produtos de Saúde10 da Bélgica introduziu um sistema projetado especificamente para fagoterapia, tornando muito mais fácil para os médicos experimentá-la.
“Estamos tentando expandir essa estrutura para a Europa”, diz Pirnay.
Veja também sobre "O que são vírus1", "O que são bactérias" e "Infecção3 hospitalar".
Fontes:
Nature Communications, publicação em 18 de janeiro de 2022.
New Scientist, notícia publicada em 18 de janeiro de 2022.