Embrião doado oferece um raro vislumbre do desenvolvimento após a implantação
Sabe-se pouco sobre o desenvolvimento humano logo após a implantação, mas um embrião doado por um indivíduo oferece uma rara visão1 do processo.
Até então, o que acontece nas primeiras semanas depois que um embrião humano se implanta no útero2 era uma caixa preta. Agora, os biólogos tiveram a chance de estudar esse estágio de desenvolvimento em detalhes pela primeira vez, conforme foi relatado em estudo publicado na revista Nature.
A primeira semana de desenvolvimento pode ser investigada cultivando embriões de FIV (fertilização3 in vitro) sobressalentes, enquanto embriões com mais de 12 semanas são frequentemente doados para pesquisa por pessoas após abortos. Mas amostras dos estágios intermediários são extremamente raras, porque poucas pessoas percebem que estão grávidas e optam por interromper a gravidez4 em um estágio tão precoce.
Os biólogos estão particularmente interessados em estudar um processo chamado gastrulação, que começa duas semanas depois que um óvulo5 humano é fertilizado e uma semana após a implantação. Nesse ponto, o embrião consiste em uma bola oca formada por uma única camada de células6 idênticas. Em seguida, ele se dobra para formar uma estrutura de várias camadas e as células6 começam a assumir funções especializadas.
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“Este é o estágio em que algumas das principais decisões de desenvolvimento são tomadas”, disse Shankar Srinivas, da Universidade de Oxford. Compreender este processo fundamental pode levar a melhores maneiras de transformar células-tronco7 em células6 úteis para o tratamento de doenças e lesões8, diz ele.
Um embrião doado com apenas 16 a 19 dias de idade e em processo de gastrulação foi agora estudado pela equipe de Srinivas.
A doadora deve ter suspeitado que estava grávida assim que a menstruação9 atrasou, fez um exame e foi a uma clínica no mesmo dia, diz Srinivas. Na clínica, eles teriam feito um aborto médico.
A maioria das pessoas opta por tomar os medicamentos que induzem o aborto em casa. No Reino Unido, apenas aqueles que decidem permanecer em uma clínica são questionados se gostariam de doar material para pesquisa. O Human Developmental Biology Resource, um banco de tecidos apoiado por várias instituições acadêmicas, a instituição beneficente de pesquisa em saúde10 Wellcome e o Conselho de Pesquisa Médica do Reino Unido, então coletam e preparam amostras.
Os pesquisadores analisaram quais genes estavam ativos em cada célula11 do embrião. Eles descobriram que a gastrulação em humanos é muito semelhante à de ratos e macacos, mas com algumas diferenças importantes. Por exemplo, alguns dos chamados fatores de crescimento que controlam o destino das células6 são diferentes.
O sistema sanguíneo também já estava começando a se formar no embrião, mais cedo do que o esperado em estudos com camundongos.
Os pesquisadores conseguiram identificar e caracterizar as células germinativas12 primordiais, as células6 que mais tarde darão origem aos espermatozoides13 ou óvulos.
“Ele está nos dando este perfil de como são as células germinativas12 primordiais humanas e como podemos produzi-las no futuro”, diz o membro da equipe Richard Tyser, também de Oxford.
Nenhuma célula11 nervosa tinha ainda se formado no embrião. “Pudemos detectar os primeiros progenitores de neurônios14, mas essas células6 também dão origem à pele”, diz Srinivas.
No momento, as diretrizes e, às vezes, as leis proíbem que embriões humanos sejam cultivados em laboratório por mais de 14 dias. Alguns pesquisadores gostariam que isso fosse estendido, e a constatação de que nenhum neurônio está presente em um embrião de 16 a 19 dias informará esse debate, diz Srinivas.
No artigo publicado, os pesquisadores descrevem a caracterização transcriptômica de uma única célula11 de um embrião humano na fase de gastrulação.
A gastrulação é o processo fundamental em todos os animais multicelulares15, por meio do qual o plano básico do corpo é estabelecido pela primeira vez. Ela é fundamental na geração de diversidade celular coordenada com o padrão espacial. Em humanos, a gastrulação ocorre na terceira semana após a fertilização3. A compreensão desse processo em humanos é relativamente limitada e baseada principalmente em espécimes históricos, modelos experimentais ou, mais recentemente, amostras cultivadas in vitro.
No estudo, caracterizou-se de maneira espacialmente resolvida o perfil transcricional de uma única célula11 de um embrião humano inteiro em fase de gastrulação, entre 16 e 19 dias após a fertilização3. Usou-se esses dados para analisar os tipos de células6 presentes e fazer comparações com outros sistemas modelo.
Além do epiblasto pluripotente, foram identificadas células germinativas12 primordiais, hemácias16 e vários tipos de células6 mesodérmicas e endodérmicas.
Este conjunto de dados oferece uma visão1 única de um estágio central, mas inacessível, do desenvolvimento humano. Esta caracterização fornece um novo contexto para a interpretação de experimentos em outros sistemas modelo e representa um recurso valioso para orientar a diferenciação dirigida de células6 humanas in vitro.
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Fontes:
Nature, publicação em 17 de novembro de 2021.
New Scientist, notícia publicada em 17 de novembro de 2021.