Danos ao DNA podem durar anos sem reparação, mudando nossa visão das mutações
Embora a maioria dos tipos conhecidos de danos ao DNA sejam corrigidos pelos mecanismos internos de reparo de DNA de nossas células1, algumas formas de danos ao DNA escapam ao reparo e podem persistir por muitos anos, segundo novas descobertas. Isso significa que o dano tem múltiplas chances de gerar mutações prejudiciais, que podem levar ao câncer2.
Cientistas do Instituto Wellcome Sanger e colaboradores analisaram árvores genealógicas de centenas de células1 individuais de vários indivíduos e descobriram padrões inesperados de herança de mutações nas árvores, revelando que alguns danos ao DNA persistem sem reparo.
A pesquisa, publicada na revista Nature, muda a maneira como pensamos sobre mutações e tem implicações para a compreensão do desenvolvimento de vários tipos de câncer2.
Ao longo da vida, todas as células1 do nosso corpo acumulam erros genéticos no genoma, conhecidos como mutações somáticas. Estes podem ser causados por exposições ambientais prejudiciais, como o tabagismo, bem como pela química cotidiana que ocorre em nossas células1.
Danos ao DNA são diferentes de mutações. Enquanto uma mutação3 é uma das quatro bases padrão do DNA (A, G, T ou C) no lugar errado, semelhante a um erro de ortografia, danos ao DNA são alterações químicas no DNA, como uma letra borrada e irreconhecível. Danos ao DNA podem resultar na leitura e cópia incorretas da sequência genética durante a divisão celular, conhecida como replicação do DNA, e isso introduz mutações permanentes que podem contribuir para o desenvolvimento de cânceres. No entanto, o dano ao DNA em si é geralmente reconhecido e reparado rapidamente por mecanismos de reparo em nossas células1.
Se os pesquisadores puderem compreender melhor as causas e os mecanismos das mutações, poderão intervir e retardá-las ou removê-las.
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No novo estudo, os cientistas do Instituto Sanger e colaboradores analisaram dados na forma de árvores genealógicas de centenas de células1 individuais de indivíduos. As árvores genealógicas são construídas a partir de padrões de mutações em todo o genoma que são compartilhados entre as células1; por exemplo, células1 com muitas mutações compartilhadas têm uma célula4 ancestral comum recente e são intimamente relacionadas.
Os pesquisadores compilaram sete conjuntos publicados dessas árvores genealógicas, conhecidos como filogenias somáticas. O conjunto de dados incluiu 103 filogenias de 89 indivíduos, abrangendo células-tronco5 sanguíneas, células1 epiteliais brônquicas e células1 hepáticas6.
A equipe encontrou padrões inesperados de herança de mutações nas árvores genealógicas, revelando que alguns danos ao DNA podem persistir sem reparo ao longo de múltiplas rodadas de divisão celular. Isso foi particularmente evidente nas células-tronco5 do sangue7, onde entre 15 e 25 por cento das mutações resultaram de um tipo específico de dano ao DNA que persiste por dois a três anos em média, e em alguns casos por mais tempo.
Isso significa que, durante a divisão celular, cada vez que a célula4 tenta copiar o DNA danificado, ela pode cometer um erro diferente, levando a múltiplas mutações diferentes a partir de uma única fonte de dano ao DNA. Importante ressaltar que isso cria múltiplas chances de mutações prejudiciais que podem contribuir para o câncer2. Pesquisadores sugerem que, embora esses tipos de danos ao DNA ocorram raramente, sua persistência ao longo dos anos significa que podem causar tantas mutações quanto os danos mais comuns ao DNA.
O primeiro autor do artigo, Dr. Michael Spencer Chapman, do Instituto Wellcome Sanger e do Instituto Barts do Câncer2, afirmou: “Com essas árvores genealógicas, podemos vincular as relações de centenas de células1 de uma pessoa até a concepção8, o que significa que podemos rastrear as divisões pelas quais cada célula4 passou. Foram esses novos conjuntos de dados em larga escala que nos levaram a esta descoberta inesperada de que algumas formas de danos ao DNA podem perdurar por muito tempo sem serem reparadas. Este estudo é um excelente exemplo de ciência exploratória: você nem sempre sabe o que vai encontrar até procurar; é preciso manter a curiosidade.”
Emily Mitchell, autora do artigo, do Instituto Wellcome Sanger, do Instituto Wellcome-MRC de Células-Tronco5 de Cambridge e da Universidade de Cambridge, afirmou: “Ao explorarmos as árvores genealógicas das células-tronco5 sanguíneas em particular, encontramos um tipo específico de dano ao DNA que resulta em cerca de 15 a 25% das mutações nessas células1 e pode durar vários anos. Não está claro por que esse processo é encontrado apenas em células-tronco5 sanguíneas e não em outros tecidos saudáveis. Saber que o dano ao DNA é duradouro fornece novas vias para investigar a real natureza do dano. À medida que continuamos a compreender melhor as causas das mutações, poderemos um dia intervir e removê-las.”
O Dr. Peter Campbell, autor principal, anteriormente do Instituto Wellcome Sanger e agora Diretor Científico da Quotient Therapeutics, afirmou: “Identificamos formas de dano ao DNA que conseguem escapar dos nossos mecanismos de reparo e persistem no genoma por dias, meses ou, às vezes, anos. Essas descobertas não condizem com o que os cientistas pensavam anteriormente sobre os fundamentos de como as mutações são adquiridas. Essa mudança de paradigma traz uma nova dimensão à maneira como pensamos sobre mutações e é importante para a comunidade de pesquisa ao planejar estudos futuros.”
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Confira o resumo do artigo publicado.
Persistência prolongada de lesões9 mutagênicas do DNA em células somáticas10
O DNA está sujeito a danos contínuos, deixando cada célula4 com milhares de lesões9 individuais a qualquer momento. A eficiência do reparo do DNA significa que a maioria das classes conhecidas de lesões9 tem meia-vida de minutos a horas, mas a extensão em que o dano ao DNA pode persistir por períodos mais longos permanece desconhecida.
Neste estudo, utilizando árvores filogenéticas de alta resolução de 89 doadores, identificou-se mutações decorrentes de 818 lesões9 do DNA que persistiram ao longo de múltiplos ciclos celulares em células-tronco5 humanas normais do sangue7, fígado11 e epitélio12 brônquico.
Lesões9 persistentes do DNA ocorreram em taxas aumentadas, com assinaturas mutacionais distintas, em doadores expostos ao tabaco ou à quimioterapia13, sugerindo que podem surgir de agentes mutagênicos exógenos.
Em células-tronco5 hematopoiéticas, lesões9 persistentes do DNA, provavelmente de fontes endógenas, geraram a assinatura mutacional característica SBS19; ocorreram de forma constante ao longo da vida, inclusive no útero14; e perduraram por 2,2 anos em média, com 15 a 25% das lesões9 durando pelo menos 3 anos.
Estimou-se que, em média, uma célula-tronco15 hematopoiética tenha aproximadamente oito dessas lesões9 a qualquer momento, metade das quais gerará uma mutação3 a cada ciclo celular. No geral, 16% das mutações em células sanguíneas16 são atribuíveis à SBS19, e proporções semelhantes de mutações driver em cânceres sanguíneos exibem essa assinatura.
Esses dados indicam a existência de uma família de lesões9 do DNA que surgem de mutagênicos endógenos e exógenos, estão presentes em baixo número por genoma, persistem por meses a anos e podem gerar uma fração substancial da carga mutacional das células somáticas10.
Fontes:
Nature, publicação em 15 de janeiro de 2025.
Science Daily, notícia publicada em 15 de janeiro de 2025.