Novos parâmetros para acompanhar peso e altura de crianças e jovens com síndrome de Down
Pesquisa realizada pelo grupo do pediatra Gil Guerra Júnior, na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, teve o objetivo de medir o peso corporal, a estatura, o perímetro cefálico e o índice de massa corporal1 (IMC2) de crianças e jovens com síndrome de Down3 e usar os dados para desenvolver curvas de crescimento atualizadas e específicas para essa população no Brasil.
As curvas de crescimento produzidas não são as únicas nem as primeiras, mas se propõem a ser as mais atuais e abrangentes para esta população.
Saiba mais sobre "Índice de Massa corporal1" e "Síndrome de Down3".
Para monitorar crianças de até 24 meses de idade com Down, atualmente o Ministério da Saúde4 recomenda o uso das curvas de crescimento desenvolvidas pelo médico Zan Mustacchi durante seu doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e apresentadas em 2002. Para aqueles com idade entre 2 e 18 anos, o órgão orienta utilizar curvas para crianças e adolescentes com Down desenvolvidas na década de 1980 nos Estados Unidos.
“Essas curvas podem não ser representativas dos atuais padrões de crescimento de crianças e adolescentes com síndrome de Down3 de uma faixa etária mais ampla, como a que o nosso estudo contempla”, diz o educador físico Fabio Bertapelli. Ele é assessor científico colaborador da Federação das Apaes do Estado de São Paulo e, com financiamento da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), desenvolveu as novas curvas de crescimento para crianças e adolescentes com Down durante o seu doutorado, feito sob a orientação de Guerra Júnior, na Unicamp, e de Stamatis Agiovlasitis, na Universidade Estadual do Mississipi, nos Estados Unidos.
Segundo o pediatra Gil Guerra Júnior, "Baixa estatura na infância e adolescência, baixo peso nos primeiros anos de vida e sobrepeso5 após os 2 anos são as características mais comuns entre indivíduos com a síndrome”. Crianças com síndrome de Down3 apresentam problemas de saúde4 que comprometem a qualidade de vida, como cardiopatias congênitas6, hipotireoidismo7, distúrbios gastrointestinais e apneia obstrutiva do sono8, além de restrição no crescimento e excesso de peso. Por causa dessas questões de saúde4, segundo os pesquisadores da Unicamp, é importante que pais e médicos disponham de referências de crescimento e desenvolvimento mais próximas às da realidade dessas crianças para evitar erros importantes, como o entendimento equivocado de que uma criança está desnutrida, obesa ou mesmo com o peso adequado quando não está.
Leia sobre "Cardiopatias congênitas6", "Hipotireoidismo7" e "Apneia9 do sono".
Para a construção das curvas, os pesquisadores avaliaram 10.516 medições de peso, estatura e perímetro cefálico feitas em 938 crianças e adolescentes com Down que frequentavam o Ambulatório de Integração de Especialidade Pediátricas da Unicamp e outros 50 centros de atendimento de pessoas com síndrome de Down3 no Estado de São Paulo. Sempre que possível, eles acrescentaram os valores de medições anteriores registradas no prontuário médico ou na caderneta de saúde4 de cada criança.
Quando comparados à população sem a síndrome10, os participantes do estudo apresentaram menor estatura em todas as idades. A divergência na altura média aumentou no início da adolescência e atingiu seu maior nível entre 17 e 19 anos. Nessa faixa etária, os brasileiros com Down são cerca de 20 centímetros mais baixos do que os adolescentes sem a síndrome10 - nos Estados Unidos, os adolescentes com Down, em especial do sexo masculino, são um pouco mais altos que os brasileiros.
Crianças com Down também têm menor perímetro cefálico nos dois primeiros anos de vida e menor peso corporal até os 15 meses de idade. Mas depois engordam mais rapidamente e, dos 3 aos 18 anos, passam a apresentar IMC2 maior do que as crianças e os adolescentes sem a síndrome10. “Existem cerca de 15 curvas de crescimento para crianças e adolescentes com Down”, conta Bertapelli. “Quase todas informam que eles tendem a apresentar sobrepeso5 e obesidade11, mas nenhuma mostrava que essas crianças ganham menos peso até o segundo ano de vida.”
As curvas produzidas pelo grupo da Unicamp indicam que, nos primeiros seis meses de vida, as crianças brasileiras com Down chegavam a ter até 1,4 quilo a menos do que a média dos garotos e garotas sem a síndrome10. Esse dado preocupa porque os dois primeiros anos de vida constituem um período crítico do desenvolvimento, em que vários órgãos e tecidos ainda estão se desenvolvendo – o cérebro12, por exemplo, atinge 70% de seu volume final no segundo ano de vida. Estudos populacionais feitos com crianças sem Down em Pelotas, no Rio Grande do Sul, sugerem que o ganho de peso rápido nessa fase da vida se transforma em ossos, músculos13 e vísceras, como o fígado14 e os órgãos do sistema nervoso central15. Depois dessa fase, o aumento rápido do peso gera tecido adiposo16.
A comparação das curvas da Unicamp com outras já existentes também sugere que as taxas de crescimento e de ganho de peso podem variar de uma população para outra, o que reforça a relevância das novas curvas para a população brasileira. “As diferenças se devem ao fato de as curvas anteriores terem sido desenvolvidas com base em uma amostra de crianças brasileiras com síndrome de Down3 nascidas antes de 2000”, conta Guerra Júnior. Estudos feitos em vários países mostram existir uma tendência secular de crescimento, especialmente em relação ao peso corporal. Por essa razão, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos financiaram a realização de novas curvas de crescimento para crianças com Down, publicadas em 2015.
Apesar de ser melhor do que as curvas de crescimento usadas anteriormente no país, as da Unicamp ainda apresentam limitações. Nem sempre as medições seguiram uma padronização, problema parcialmente corrigido com o tratamento estatístico dos dados. Também não havia participantes de todo o Brasil, como seria desejável.
No final de junho, a Sociedade Brasileira de Pediatria endossou o pedido do pediatra Gil Guerra Júnior, recomendando a adoção das curvas como referência no país, e o encaminhou ao Ministério da Saúde4.
Fonte: Jornal da Unicamp, em 20 de julho de 2017
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