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Disfunção cerebral e anormalidades imunológicas foram observadas na fadiga crônica pós-infecciosa

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A fadiga1 na encefalomielite miálgica/síndrome2 da fadiga1 crônica (EM/SFC) pós-infecciosa pode resultar da disfunção de regiões integrativas do cérebro3 que impulsionam o córtex motor, sugeriu um estudo de fenotipagem profunda.

As descobertas do estudo, publicado na revista Nature Communications, mostraram diferenças fisiológicas4 notáveis no sistema imunológico5, na função cardiorrespiratória, no microbioma6 intestinal e na atividade cerebral de 17 pacientes com EM/SFC em comparação com um grupo de 21 participantes saudáveis.

Especialistas médicos disseram que, embora o estudo fosse um retrato de um pequeno número de pacientes, ele era valioso, em parte porque a EM/SFC há muito tempo tem sido descartada ou mal diagnosticada. As descobertas confirmam que a condição “é biológica, não psicológica”, disse o Dr. Avindra Nath, chefe de infecções7 do sistema nervoso8 do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e AVC, que liderou o estudo.

As descobertas podem ter implicações para pacientes9 com Covid longa, que muitas vezes inclui sintomas10 semelhantes ou idênticos aos da EM/SFC. Embora os participantes do estudo tenham sido recrutados antes da pandemia11, todos tinham um tipo de EM/SFC que é precedida por uma infecção12, tal como a Covid é precedida por uma infecção12 por coronavírus.

“Tudo o que aprendermos com EM/CFS beneficiará os pacientes com Covid longa, e tudo o que aprendermos com a Covid longa beneficiará os pacientes com EM/SFC, eu acho”, disse o Dr. Nath, que afirmou que as infecções7 sofridas pelos pacientes no estudo variaram.

Saiba mais sobre "Síndrome2 da fadiga1 crônica", "Encefalites13" e "Doenças que causam cansaço excessivo".

As diferenças no sistema imunológico5 estão entre as descobertas mais claras, disse o Dr. Anthony Komaroff, professor de medicina na Harvard Medical School que não esteve envolvido na pesquisa, mas atuou como revisor do estudo para a revista. “Eles encontraram uma ativação crônica do sistema imunológico5, como se o sistema imunológico5 estivesse envolvido em uma longa guerra contra um micróbio estranho, uma guerra que não poderia vencer completamente e, portanto, tivesse que continuar a travar”, disse ele.

Nath disse que sua teoria é que, tanto na EM/SFC pós-infecciosa quanto na Covid longa, “ou você tem pedaços daquele patógeno persistindo e estimulando essa reação” ou “o patógeno se foi, mas o que quer que tenha causado ao sistema imunológico5, ele nunca mais se acalmou.”

Outra descoberta distintiva foi que, quando os participantes foram convidados a realizar tarefas que medem a sua força de preensão, uma parte do seu cérebro3 envolvida na coordenação e direção de ações mostrou uma ativação diminuída – enquanto, em pessoas saudáveis, mostrou uma ativação aumentada.

Essa área do cérebro3, a junção temporoparietal direita, está envolvida em “dizer às pernas para se moverem, dizer à boca14 para abrir e comer – é uma espécie de ordem para fazer alguma coisa”, disse Komaroff. “Quando não acende adequadamente, é mais difícil fazer com que o corpo faça esse esforço”, continuou ele, acrescentando que os pesquisadores “especulam que a estimulação imunológica crônica e as alterações no microbioma6 intestinal que encontraram podem levar a essas alterações cerebrais, que então levam a sintomas”.

Na análise exploratória realizada, a ressonância magnética15 funcional (fMRI) mostrou a menor atividade na junção temporoparietal naqueles participantes com EM/SFC em relação aos controles.

Os neurotransmissores do líquido cefalorraquidiano16 (LCR), como a dopamina17 e outras moléculas, variaram entre os dois grupos. Pessoas com EM/SFC apresentaram aumento de células18 B virgens e diminuição de células18 B de memória comutada em comparação com os controles. Homens com EM/SFC tiveram ativação de células18 T e marcadores de imunidade19 inata alterados, enquanto as mulheres apresentaram padrões anormais de crescimento de células18 B e glóbulos brancos.

Diferenças substanciais durante tarefas físicas também foram observadas nos participantes com EM/SFC. Em comparação com os controles, as pessoas com EM/SFC não conseguiram manter uma força de preensão moderada, embora não tenha havido diferença na força máxima de preensão ou na massa muscular do braço. Como dito anteriormente, isso se correlacionou com a diminuição da atividade da junção temporoparietal direita, uma parte do cérebro3 focada em determinar a incompatibilidade entre a ação voluntária e o movimento.

“Não encontramos nenhuma anormalidade estrutural, mas múltiplas anormalidades funcionais, o que dá esperança de que a doença seja tratável e possivelmente reversível”, disse Nath.

“O cérebro3 parece estar potencialmente impulsionando a resposta do paciente”, disse Karl Morten, PhD, pesquisador de EM/SFC, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que não esteve envolvido no estudo. “A grande questão é, por quê? Ainda está acontecendo alguma coisa da qual ainda não temos conhecimento?” Morten postou no site do U.K. Science Media Center. “O sistema imunológico5 está desregulado e parece ainda mostrar uma resposta antigênica. Isso sugere que uma entidade estranha ainda está presente ou o sistema se rebelou?”

A EM/SFC é uma doença multissistêmica crônica que se caracteriza por fadiga1 que limita as atividades. Sua causa é desconhecida, mas muitas pessoas desenvolvem EM/SFC após uma infecção12 aguda. Não há teste de diagnóstico20 ou tratamento aprovado pela FDA para a doença. Estima-se que 1,3% dos adultos dos EUA – 1,7% das mulheres e 0,9% dos homens – têm EM/SFC.

No artigo publicado, os pesquisadores relatam que a encefalomielite miálgica/síndrome2 da fadiga1 crônica pós-infecciosa (EM/SFC-PI) é um distúrbio incapacitante, mas o fenótipo21 clínico é mal definido, a fisiopatologia22 é desconhecida e nenhum tratamento modificador da doença está disponível.

Utilizou-se critérios rigorosos para recrutar participantes com EM/SFC-PI e controles correspondentes para realizar fenotipagem profunda. Entre as muitas queixas físicas e cognitivas, uma característica definidora da EM/SFC-PI foi uma alteração na preferência de esforço, em vez da fadiga1 física ou central, devido à disfunção de regiões integrativas do cérebro3 potencialmente associadas à desregulação da via central do catecol, com consequências no funcionamento autonômico e no condicionamento físico.

O perfil imunológico sugeriu estimulação antigênica crônica com aumento de células18 B virgens e diminuição de células18 B de memória comutada. Alterações nos perfis de expressão gênica de células18 mononucleares do sangue23 periférico e vias metabólicas foram consistentes com estudos fenotípicos24 celulares e demonstraram diferenças de acordo com o sexo.

Juntas, essas anormalidades clínicas e diferenças de biomarcadores fornecem uma visão25 única sobre a fisiopatologia22 subjacente da EM/SFC-PI, que pode orientar intervenções futuras.

Leia sobre "Sistema imunológico5", "Microbioma6 intestinal humano" e "Síndrome2 pós-Covid".

Nath e colegas concluíram, então, que a EM/SFC pós-infecciosa parece ser um distúrbio mediado centralmente.

“Nós postulamos este mecanismo hipotético de como uma infecção12 pode criar uma cascata de alterações fisiológicas4 que levam ao fenótipo21 de EM/SFC pós-infecciosa”, escreveram eles. “A exposição a uma infecção12 leva à disfunção imunológica e a alterações na composição microbiana concomitantes. A disfunção imunológica pode estar relacionada às respostas imunes inatas e adaptativas que dependem do sexo. Uma possibilidade é que essas alterações estejam relacionadas à persistência do antígeno26 do patógeno infeccioso.”

Por sua vez, acrescentaram, “essas alterações imunológicas e microbianas impactam o sistema nervoso central27, levando à diminuição das concentrações de metabólitos” que impactam a função das estruturas cerebrais. Este efeito no sistema nervoso autônomo28 leva à diminuição da variabilidade da frequência cardíaca e à diminuição da função cardiovascular barorreflexa. Além dos efeitos que reduzem a capacidade cardiopulmonar, a alteração da função hipotalâmica “leva à diminuição da ativação da junção temporoparietal durante tarefas motoras, levando a uma falha das regiões integrativas do cérebro3 necessárias para impulsionar o córtex motor”.

 

Fontes:
Nature Communications, publicação em 21 de fevereiro de 2024.
The New York Times, notícia publicada em 21 de fevereiro de 2024.
MedPage Today, notícia publicada em 22 de fevereiro de 2024.

 

NEWS.MED.BR, 2024. Disfunção cerebral e anormalidades imunológicas foram observadas na fadiga crônica pós-infecciosa. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1467057/disfuncao-cerebral-e-anormalidades-imunologicas-foram-observadas-na-fadiga-cronica-pos-infecciosa.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Fadiga: 1. Sensação de enfraquecimento resultante de esforço físico. 2. Trabalho cansativo. 3. Redução gradual da resistência de um material ou da sensibilidade de um equipamento devido ao uso continuado.
2 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
3 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
4 Fisiológicas: Relativo à fisiologia. A fisiologia é estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos, especialmente dos processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios.
5 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
6 Microbioma: Comunidade ecológica de microrganismos comensais, simbióticos e patogênicos que compartilham nosso espaço corporal. Microbioma humano é o conjunto de microrganismos que reside no corpo do Homo sapiens, mantendo uma relação simbiótica com o hospedeiro. O conceito vai além do termo microbiota, incluindo também a relação entre as células microbianas e as células e sistemas humanos, por meio de seus genomas, transcriptomas, proteomas e metabolomas.
7 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
8 Sistema nervoso: O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal e a porção periférica está constituída pelos nervos cranianos e espinhais, pelos gânglios e pelas terminações nervosas.
9 Para pacientes: Você pode utilizar este texto livremente com seus pacientes, inclusive alterando-o, de acordo com a sua prática e experiência. Conheça todos os materiais Para Pacientes disponíveis para auxiliar, educar e esclarecer seus pacientes, colaborando para a melhoria da relação médico-paciente, reunidos no canal Para Pacientes . As informações contidas neste texto são baseadas em uma compilação feita pela equipe médica da Centralx. Você deve checar e confirmar as informações e divulgá-las para seus pacientes de acordo com seus conhecimentos médicos.
10 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
11 Pandemia: É uma epidemia de doença infecciosa que se espalha por um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a pandemia pode se iniciar com o aparecimento de uma nova doença na população, quando o agente infecta os humanos, causando doença séria ou quando o agente dissemina facilmente e sustentavelmente entre humanos. Epidemia global.
12 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
13 Encefalites: Inflamação do tecido encefálico produzida por uma infecção viral, bacteriana ou micótica (fungos).
14 Boca: Cavidade oral ovalada (localizada no ápice do trato digestivo) composta de duas partes
15 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
16 Líquido cefalorraquidiano: Líquido cefalorraquidiano (LCR), também conhecido como líquor ou fluido cérebro espinhal, é definido como um fluido corporal estéril, incolor, encontrado no espaço subaracnoideo no cérebro e na medula espinhal (entre as meninges aracnoide e pia-máter). Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal. Possui também a função de fornecer nutrientes para o tecido nervoso e remover resíduos metabólicos do mesmo. É sintetizado pelos plexos coroidais, epitélio ventricular e espaço subaracnoideo em uma taxa de aproximadamente 20 mL/hora. Em recém-nascidos, este líquido é encontrado em um volume que varia entre 10 a 60 mL, enquanto que no adulto fica entre 100 a 150 mL.
17 Dopamina: É um mediador químico presente nas glândulas suprarrenais, indispensável para a atividade normal do cérebro.
18 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
19 Imunidade: Capacidade que um indivíduo tem de defender-se perante uma agressão bacteriana, viral ou perante qualquer tecido anormal (tumores, enxertos, etc.).
20 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
21 Fenótipo: Características apresentadas por um indivíduo sejam elas morfológicas, fisiológicas ou comportamentais. Também fazem parte do fenótipo as características microscópicas e de natureza bioquímica, que necessitam de testes especiais para a sua identificação, como, por exemplo, o tipo sanguíneo do indivíduo.
22 Fisiopatologia: Estudo do conjunto de alterações fisiológicas que acontecem no organismo e estão associadas a uma doença.
23 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
24 Fenotípicos: Referente a fenótipo, ou seja, à manifestação visível ou detectável de um genótipo. Características físicas, morfológicas e fisiológicas do organismo.
25 Visão: 1. Ato ou efeito de ver. 2. Percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista. 3. Algo visto, percebido. 4. Imagem ou representação que aparece aos olhos ou ao espírito, causada por delírio, ilusão, sonho; fantasma, visagem. 5. No sentido figurado, concepção ou representação, em espírito, de situações, questões etc.; interpretação, ponto de vista. 6. Percepção de fatos futuros ou distantes, como profecia ou advertência divina.
26 Antígeno: 1. Partícula ou molécula capaz de deflagrar a produção de anticorpo específico. 2. Substância que, introduzida no organismo, provoca a formação de anticorpo.
27 Sistema Nervoso Central: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
28 Sistema nervoso autônomo: Parte do sistema nervoso que controla funções como respiração, circulação do sangue, controle de temperatura e da digestão.
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