NEJM: anestésicos são seguros para crianças?
Artigo publicado pelo The New England of Medicine fala a respeito do uso de anestésicos em crianças e seus possíveis efeitos adversos.
Na última década, estudos com roedores demonstraram que a exposição aos agentes anestésicos durante períodos de desenvolvimento cerebral pode resultar em apoptose1 neuronal disseminada e déficits funcionais tardios no desenvolvimento. Até agora, os agentes que antagonizam o N-metil-D-aspartato (NMDA) ou potencializam a neurotransmissão de ácido γ-aminobutírico (agentes GABAérgicos) têm sido implicados, não havendo doses seguras para administração destes agentes em crianças.
Investigações mais recentes realizadas pelo Centro Nacional de Pesquisa em Toxicologia (NCTR) do Food and Drug Administration (FDA) têm demonstrado que a exposição à ketamina - antagonista2 do receptor NMDA - resultou em aumento da apoptose1 neuronal em primatas não humanos. Especificamente, uma dose de ketamina suficiente para produzir sedação3 cirúrgica para 9 ou 24 horas resultou em neuroapoptose em macacos rhesus de 5 dias de idade. Nenhum efeito similar foi observado quando a ketamina foi administrada por apenas três horas. Neuroapoptose no cérebro4 de fetos também ficou evidente quando macacas rhesus grávidas, com 122 dias de gestação (correspondente ao terceiro trimestre de gestação humana), foram expostas à ketamina por 24 horas. Não observou-se neuroapoptose após a administração da ketamina no 35° dia pós-natal. Apoptose1 neuronal também tem sido demonstrada em primatas que receberam isoflurano (predominantemente um agente GABAérgico) no 6° dia pós-natal.
Acredita-se que primatas não humanos sejam o modelo mais adequado para avaliar o desenvolvimento neurológico nos seres humanos, mas os testes cognitivos5 com estes animais são caros e requerem muitos anos para serem concluídos. Não se sabe se os dados obtidos com roedores ou primatas não humanos podem ser aplicados para os seres humanos, mas tais descobertas levantam questões que requerem investigação científica.
Estudos em crianças têm avaliado os efeitos dos anestésicos sobre o cérebro4 humano em desenvolvimento. Uma análise de coorte6 retrospectiva, seguindo 383 crianças submetidas à correção de hérnia7 inguinal nos primeiros 3 anos de vida e comparando-as com 5.050 crianças em uma amostra de controle que não havia sido submetida a qualquer reparo de hérnia7 antes da idade de 3 anos, observou que as crianças que foram submetidas à correção de hérnia7 tinham duas vezes mais chances de um diagnóstico8 de transtorno de desenvolvimento ou comportamental. Outro estudo de coorte9 populacional, retrospectivo10, analisou os registros médicos e educacionais das crianças que foram expostas a um único anestésico (n = 449), dois anestésicos (n = 100) ou mais (n = 44). Em contraste com o estudo do reparo da hérnia7, não se observou aumento do risco de dificuldades de aprendizagem com um único anestésico. No entanto, um risco crescente de dificuldades de aprendizagem foi associado ao uso de dois ou mais anestésicos. A deficiência de aprendizagem também aumentou com a maior exposição cumulativa à anestesia11.
Há resultados conflitantes nos dois estudos citados e ainda não é possível tirar qualquer conclusão sobre a associação entre a exposição aos anestésicos e posteriores dificuldades de aprendizagem. No entanto, os membros do FDA’s Anesthetic and Life Support Drugs Advisory Committee concluíram que não há justificativa para mudanças na prática da anestesia11 pediátrica ou para adiamentos de procedimentos eletivos12 em crianças menores de 3 anos de idade.
O FDA está empenhado em prosseguir com essas respostas e tomará as medidas necessárias para assegurar que os benefícios do uso da anestesia11 em crianças continuem a prevalecer sobre quaisquer riscos potenciais.
Fonte: The New England Journal of Medicine – publicação online de março de 2011