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Descoberto o mecanismo pelo qual a mutação genética causadora da doença de Huntington leva ao desenvolvimento dessa condição neurodegenerativa

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Por que as pessoas que herdam a doença de Huntington geralmente só começam a apresentar sintomas1 na idade adulta, entre os 30 e 50 anos? A resposta está em um mecanismo defeituoso de reparo do DNA nos neurônios2, que se intensifica até que o número de erros atinja um limite crítico e os neurônios2 comecem a morrer.

A doença de Huntington, uma condição neurodegenerativa, decorre de uma mutação3 na sequência do gene HTT, na qual um trio de nucleotídeos, citosina, adenina e guanina (conhecido como CAG), se repete pelo menos 40 vezes, em comprimentos anormais. O HTT codifica a proteína huntingtina, que é abundante no cérebro4, mas tem uma função pouco compreendida. Apesar de três décadas de pesquisa desde sua descoberta, o mecanismo que liga as mutações do gene HTT à doença de Huntington permanecia obscuro.

Agora, um novo estudo com células5 cerebrais, publicado na revista Cell, revela que a mutação3 hereditária não causa danos imediatos às células5. Em vez disso, o trecho de DNA permanece inócuo6, mas instável, por décadas, com o número de repetições CAG aumentando lentamente em um tipo específico de célula7 cerebral até atingir um ponto crítico, tornando-se altamente tóxico e matando rapidamente a célula7. Essas descobertas podem significar a disponibilidade de uma longa janela de tempo para o tratamento.

O trabalho, conduzido em tecido8 cerebral humano doado e liderado por cientistas da Harvard Medical School, do Broad Institute of MIT and Harvard, e do McLean Hospital, oferece uma nova maneira de entender a doença de Huntington, bem como outros distúrbios que surgem de números anormais de repetições de DNA, incluindo a síndrome9 do X frágil, a distrofia10 miotônica e mais de 50 outros distúrbios cerebrais humanos.

“É somente quando a repetição se torna extremamente longa que ela começa a causar danos”, disse o co-autor sênior11 Steve McCarroll. “Esta é uma maneira realmente diferente de pensar não apenas sobre como a doença de Huntington se desenvolve, mas também sobre como uma mutação3 causa uma doença. Acreditamos que isso se aplicará a distúrbios de repetição de DNA além da doença de Huntington.”

As descobertas também sugerem caminhos que os pesquisadores podem seguir para retardar ou até mesmo prevenir a doença de Huntington.

Leia sobre "Doença de Huntington", "Doenças nervosas degenerativas12" e "Distúrbios dos movimentos".

Por exemplo, os medicamentos candidatos à doença de Huntington que visam reduzir a atividade do gene mutado (ou da proteína que ele codifica) têm tido dificuldades em ensaios clínicos13. O novo estudo sugere que, como pouquíssimas células5 possuem a versão tóxica do gene e suas proteínas14 em um determinado momento, os tratamentos podem estar ajudando apenas uma pequena fração das células5.

Desenvolver um método que interrompa ou retarde a expansão da repetição CAG no gene HTT pode adiar a toxicidade15 em um número muito maior de células5, retardando ou até mesmo prevenindo o aparecimento da doença, propõem os autores.

“O objetivo do nosso trabalho, o que todos nós fazemos, é aliviar o sofrimento causado pela doença”, disse a co-autora sênior11 Sabina Berretta.

A maioria das pessoas herda versões do gene HTT com 15 a 35 CAGs consecutivos e nunca desenvolve a doença de Huntington, enquanto aqueles que herdam uma versão com 40 ou mais CAGs consecutivos quase sempre desenvolvem a doença mais tarde na vida. Quanto maior o trecho de repetições, mais jovem a pessoa tende a ser quando os sintomas1 aparecem. O trecho de CAGs repetidos demonstrou ser instável, resultando em uma variedade de comprimentos em diferentes tecidos.

McCarroll, Berretta e colegas desenvolveram uma tecnologia que o Laboratório McCarroll desenvolveu há uma década, chamada sequenciamento de RNA de célula7 única em gotículas (Drop-seq), para analisar a expressão gênica, a identidade celular e o comprimento das repetições de CAG em milhares de células5 individuais.

“A capacidade de pegar uma célula7 específica e medir tanto o comprimento de CAG quanto o perfil transcricional, essa é uma base realmente importante que permite análises realmente poderosas”, disse Seva Kashin, engenheira sênior11 de software do Laboratório McCarroll e co-autora principal.

Ao estudar 500.000 células5 individuais em tecido8 cerebral doado por 53 pessoas com Huntington e 50 pessoas sem a doença, coletadas e preservadas pelo Harvard Brain Tissue Resource Center, a equipe descobriu que a maioria dos tipos de células5 de pessoas com Huntington ainda apresentava essencialmente o mesmo número de repetições CAG que haviam herdado.

No entanto, os neurônios2 de projeção estriatal, as principais células5 do estriado cerebral que morrem na doença, tinham trechos de repetições CAG bastante expandidos. De fato, o estudo mostrou que alguns dos neurônios2 tinham até 800 CAGs, confirmando uma observação de 20 anos atrás.

O estriado é responsável pelo movimento, por muitas funções cognitivas e pela motivação. Quando um grande número de células5 estriatais morre, os pacientes desenvolvem movimentos involuntários nos braços, pernas e rosto, e muitos também desenvolvem problemas cognitivos16. Estes progridem para problemas cognitivos16 mais graves e dificuldade de movimentação ou deglutição17.

O mais surpreendente é que a equipe descobriu que a expansão de 40 CAGs para 150 CAGs não teve efeito aparente na saúde18 dos neurônios2, mas neurônios2 com mais de 150 CAGs apresentaram expressão gênica bastante distorcida, perdendo a atividade de genes críticos e morrendo em seguida.

A equipe de McCarroll utilizou modelagem computacional dos dados experimentais para estimar a taxa e o tempo de expansão das repetições CAG em neurônios2 de projeção estriatal.

Eles descobriram que os trechos de repetições CAG crescem lentamente inicialmente, expandindo-se menos de uma vez por ano durante as duas primeiras décadas de vida. Então, quando o trecho de repetição de uma célula7 atinge cerca de 80 CAGs, geralmente após várias décadas, sua taxa de expansão acelera drasticamente, chegando a 150 CAGs em apenas alguns anos. A célula7 morre poucos meses depois.

O modelo sugere, portanto, que um neurônio de projeção estriatal passa mais de 95% de sua vida com um gene HTT inócuo6. Como as repetições CAG em diferentes células5 ultrapassam o limiar de toxicidade15 em momentos diferentes, as células5, como um grupo, desaparecem lentamente ao longo de um longo período, começando cerca de 20 anos antes do aparecimento dos sintomas1 e mais rapidamente à medida que os sintomas1 se manifestam.

Além de abrir uma nova janela sobre como as mutações genéticas humanas podem operar, os pesquisadores esperam que seus insights levem a novas estratégias que melhorem ou, em última análise, salvem as vidas de pessoas que herdam mutações no gene HTT.

Veja também sobre "Diferenças entre doenças congênitas19, genéticas e hereditárias" e "Mutações genéticas".

Confira a seguir o resumo do artigo publicado.

Longa expansão de repetições somáticas de DNA impulsiona a neurodegeneração na doença de Huntington

Destaques

  • A repetição CAG causadora da doença de Huntington (DH) expande-se somaticamente em neurônios2 vulneráveis à DH.
  • Ao longo de décadas, os alelos20 instáveis expandem-se para mais de 10 vezes o seu comprimento inicial.
  • A repetição CAG torna-se tóxica após expandir-se além de 150 CAGs.
  • A patogênese21 da DH é um processo de expansão de repetições de DNA que dura quase toda a vida de um neurônio.

Resumo

Na doença de Huntington (DH), os neurônios2 de projeção estriatal (NPEs) degeneram durante a meia-idade; a questão biológica central envolve como a repetição de DNA (CAG)n causadora da doença no gene da huntingtina (HTT) leva à neurodegeneração após décadas de latência22 biológica.

Desenvolveu-se um método unicelular para medir o comprimento dessa repetição juntamente com a expressão de RNA em todo o genoma. Descobriu-se que a repetição CAG do HTT expande somaticamente de 40 a 45 para 100 a 500+ CAGs nos NPEs.

A expansão somática de 40 para 150 CAGs não apresentou efeito aparente na autonomia celular, mas NPEs com 150 a 500+ CAGs perderam características positivas e, em seguida, negativas da identidade neuronal, desreprimiram genes de senescência/apoptose23 e foram perdidos.

Esses resultados sugerem que a expansão de repetições somáticas além de 150 CAGs faz com que os neurônios2 de projeção estriatal degenerem rápida e assincronamente. Concluiu-se que, na DH, a qualquer momento, a maioria dos neurônios2 possui um gene HTT inócuo6, porém instável, e que a patogênese21 da DH é um processo de DNA que dura quase toda a vida do neurônio.

 

Fontes:
Cell, Vol. 188, N° 3, em fevereiro de 2025.
Harvard Medical School, notícia publicada em 16 de janeiro de 2025.
Nature, notícia publicada em 17 de março de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Descoberto o mecanismo pelo qual a mutação genética causadora da doença de Huntington leva ao desenvolvimento dessa condição neurodegenerativa. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1494190/descoberto-o-mecanismo-pelo-qual-a-mutacao-genetica-causadora-da-doenca-de-huntington-leva-ao-desenvolvimento-dessa-condicao-neurodegenerativa.htm>. Acesso em: 11 set. 2025.

Complementos

1 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
2 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
3 Mutação: 1. Ato ou efeito de mudar ou mudar-se. Alteração, modificação, inconstância. Tendência, facilidade para mudar de ideia, atitude etc. 2. Em genética, é uma alteração súbita no genótipo de um indivíduo, sem relação com os ascendentes, mas passível de ser herdada pelos descendentes.
4 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
5 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
6 Inócuo: 1. Que não causa dano material, físico, orgânico; que não é nocivo ou prejudicial. 2. Que não causa dano moral, psicológico ou afim; improvável de causar ofensa moral. 3. Incapaz de produzir o efeito pretendido.
7 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
8 Tecido: Conjunto de células de características semelhantes, organizadas em estruturas complexas para cumprir uma determinada função. Exemplo de tecido: o tecido ósseo encontra-se formado por osteócitos dispostos em uma matriz mineral para cumprir funções de sustentação.
9 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
10 Distrofia: 1. Acúmulo de grande quantidade de matéria orgânica, mas poucos nutrientes, em corpos de água, como brejos e pântanos. 2. Na medicina, é qualquer problema de nutrição e o estado de saúde daí decorrente.
11 Sênior: 1. Que é o mais velho. 2. Diz-se de desportistas que já ganharam primeiros prêmios: um piloto sênior. 3. Diz-se de profissionais experientes que já exercem, há algum tempo, determinada atividade.
12 Degenerativas: Relativas a ou que provocam degeneração.
13 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
14 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
15 Toxicidade: Capacidade de uma substância produzir efeitos prejudiciais ao organismo vivo.
16 Cognitivos: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
17 Deglutição: Passagem dos alimentos desde a boca até o esôfago; ação ou efeito de deglutir; engolir. É um mecanismo em parte voluntário e em parte automático (reflexo) que envolve a musculatura faríngea e o esfíncter esofágico superior.
18 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
19 Congênitas: 1. Em biologia, o que é característico do indivíduo desde o nascimento ou antes do nascimento; conato. 2. Que se manifesta espontaneamente; inato, natural, infuso. 3. Que combina bem com; apropriado, adequado. 4. Em termos jurídicos, é o que foi adquirido durante a vida fetal ou embrionária; nascido com o indivíduo. Por exemplo, um defeito congênito.
20 Alelos: 1. Que ocupa os mesmos loci (locais) nos cromossomos (diz-se de gene). 2. Em genética, é cada uma das formas que um gene pode apresentar e que determina características diferentes.
21 Patogênese: Modo de origem ou de evolução de qualquer processo mórbido; nosogenia, patogênese, patogenesia.
22 Latência: 1. Estado, caráter daquilo que se acha latente, oculto. 2. Por extensão de sentido, é o período durante o qual algo se elabora, antes de assumir existência efetiva. 3. Em medicina, é o intervalo entre o começo de um estímulo e o início de uma reação associada a este estímulo; tempo de reação. 4. Em psicanálise, é o período (dos quatro ou cinco anos até o início da adolescência) durante o qual o interesse sexual é sublimado; período de latência.
23 Apoptose: Morte celular não seguida de autólise, também conhecida como “morte celular programada“.

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