JAMA: exposição ao chumbo na infância pode afetar a personalidade e a saúde mental na idade adulta
Estudos observacionais anteriores encontraram uma associação entre a exposição pré-natal ou infantil ao chumbo e um aumento do risco de esquizofrenia1 e comportamentos antissociais na vida adulta. Mas esses estudos eram pequenos, limitados a condições psiquiátricas específicas e dependiam de avaliações psicológicas pontuais. Como tal, os pesquisadores ainda precisam explorar rigorosamente como a exposição ao chumbo durante a infância afeta a saúde2 mental ao longo da vida.
Saiba mais sobre "Intoxicação por chumbo3 ou saturnismo4".
Para obter um entendimento mais completo, investigadores nos Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia seguiram uma coorte5 de 579 crianças expostas ao chumbo desde o nascimento até os 38 anos de idade. As crianças, nascidas entre 1972 e 1973 em Dunedin, Nova Zelândia, não foram expostas a encanamentos de chumbo ou tintas, mas à gasolina com chumbo usada em carros da década de 1940 até a década de 1990. Durante a década de 70, Dunedin tinha alguns dos maiores níveis de chumbo da gasolina no mundo. O chumbo foi liberado no escapamento de automóveis, contaminando o ar e o solo. Um estudo anterior do JAMA envolvendo as mesmas crianças vinculou a maior exposição de crianças ao chumbo aos menores escores de QI6 e mobilidade social descendente na idade adulta.
O que é único sobre este estudo?
É o maior e mais longo estudo de acompanhamento psiquiátrico envolvendo crianças testadas para exposição ao chumbo até o momento.
A personalidade adulta foi avaliada usando cinco medidas amplas — neuroticismo7, extroversão, abertura à experiência, amabilidade e consciência — sem depender de autorrelato.
Os profissionais de saúde2 avaliaram a coorte5 em entrevistas clínicas a cada 3 a 6 anos, iniciando-se aos 18 anos de idade, pelo Diagnostic and Statistical Manual and Mental Disorders — sintomas8 definidos para onze transtornos mentais.
Com base nas entrevistas, scores para 3 dimensões da psicopatologia — transtornos de internalização, externalização e pensamento (experiências psicóticas) — e psicopatologia geral (fator p) foram correlacionadas aos níveis de chumbo no sangue9 (BLLs) na infância.
A extensão da exposição ao chumbo entre as crianças estudadas não dependeu de seu status socioeconômico, removendo um fator de confusão significativo.
O que o estudo mostra:
- Em 94% das crianças, os BLLs estavam acima do nível para respostas clínicas e ambientais.
- BLL na infância foi significativamente associado com maior psicopatologia geral e com sintomas8 de internalização e transtorno de pensamento na idade adulta.
- BLL na infância foi significativamente associado a menor conscienciosidade e amabilidade, e maior neuroticismo7 na idade adulta.
- As associações entre BLL na infância e a personalidade e psicopatologia do adulto permaneceram significativas mesmo após o ajuste para sexo, QI6 materno, status socioeconômico e histórico familiar de doença mental.
Como todos os estudos observacionais, os resultados mostram apenas uma associação, não uma relação causal, entre a exposição ao chumbo na infância e a saúde2 mental do adulto e os resultados da personalidade. E essa associação foi modesta — muito menos do que a de outros fatores, como maus-tratos na infância ou história familiar de doença mental.
Os resultados sugerem que a exposição ao chumbo durante a infância pode ter consequências duradouras para a saúde2 mental e personalidade. No entanto, ainda é necessário um melhor entendimento da fisiopatologia10 e é necessária a demonstração de que o chumbo leva a alterações cerebrais que, por sua vez, levam a essas mudanças psicopatológicas.
Apesar do tamanho modesto do efeito da associação, os resultados deste estudo são potencialmente importantes, já que a exposição ao chumbo é um fator de risco11 modificável e muito presente na vida de muitas crianças, por exemplo:
- Quatro milhões de lares norte-americanos com filhos estão expostos a altos níveis de chumbo.
- Aproximadamente 500.000 crianças americanas com idades entre 1 e 5 anos têm BLLs superiores a 5 µg/dL, o nível no qual a ação de saúde2 pública é recomendada.
Em 2016, a exposição ao chumbo foi responsável por:
- 540.000 mortes
- 13,9 milhões de anos de vida saudável perdidos globalmente.
- 63,8% da carga global de deficiência intelectual de desenvolvimento idiopática12.
Nenhuma concentração sanguínea de chumbo é segura; seus efeitos neurológicos e comportamentais são considerados irreversíveis.
Veja também sobre "Distonias13" e "Esquizofrenia1".
Fonte: JAMA, publicação online, de 27 de março de 2019.