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Opinião: A propósito da precarização do trabalho médico: vamos reagir agora mesmo!

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O médico vive uma crise de identidade. Vamos aos fatos: a Constituição de 1988 assegura, a toda a população brasileira, acesso integral aos cuidados com a saúde1. Dito de outra forma, o Estado brasileiro assegura que nenhum cidadão pode deixar de ter médicos à sua disposição. Ocorre que só se esqueceram de  combinar com os profissionais da medicina, de os contratar, de lhes dar condições adequadas de trabalho, de reciclagem de conhecimento, além de honorários justos. Lamentável, ainda, é o fato de que criaram inúmeras categorias de médicos para prestar assistência aos usuários do Sistema Único de Saúde1 (SUS), que, aliás, nem ao menos é único.

Não me posiciono contra o SUS; ao contrário, sou seu ardoroso defensor, na medida em que é o mais abrangente e mais amplo sistema de atendimento público do mundo. A questão é que o SUS só se torna factível porque somos nós, os médicos, quem nos sacrificamos para que ele exista.

Somos nós, os médicos, que atendemos a população, simplesmente porque temos compromisso social. Porque acreditamos na grandeza de nossa função, submetemo-nos a toda a sorte de exploração. Assim, somos usados para realizar mutirões (hérnia2, cataratas, próstatas, etc.) e até como massa de manobra para promover vereadores, prefeitos e governadores.

Somos, ainda, usados para ocupar postos de saúde1 na periferia, que funcionam sem equipamentos, sem pessoal técnico, sem segurança. Ficamos expostos a todos os tipos de desrespeito e humilhações, muitas vezes chefiados por profissional não médico, que se ufana em nos ter subalternos. Há, também, aquele médico sem vínculo algum com o sistema público de saúde1. Ele só é um realizador de ações de saúde1, mas, legalmente, ninguém toma conhecimento de sua prestação de serviços, exceto quando se busca culpar alguém por morte, por resultado adverso ou falha do sistema. Aí, sim, temos o chamado boi de piranha; o responsável: é o Doutor!

É uma figura fantasma para o SUS, porque não tem registro, não tem fundo de garantia, férias, 13º salário e nem mesmo salário. Só recebe por atos praticados, pelas cirurgias, visitas, consultas, atendimentos. E recebe valores aviltantes, via hospital. Nem para sua conta bancária vai o mísero dinheiro, segue para as contas de Santas Casas, de hospitais filantrópicos e mesmo de hospitais particulares que mantêm convênio com o Sistema Único. Sabe lá Deus quando este dinheiro irá para seu legítimo merecedor, o médico. Depende da vontade do diretor do hospital, da condição financeira e das dívidas das instituições, e assim por diante. Muitas vezes, o profissional nem vê a cor do honorário que lhe é devido. No entanto, o atendimento é feito, a cirurgia realizada, o cidadão sente-se satisfeito com nosso trabalho. Esse, aliás, é o único detalhe positivo; a satisfação dos cidadãos. Mas nós, os médicos, não somos empregados, não temos vínculo legal, nem com o SUS, nem com o Estado (seja federal, estadual ou municipal) e, muito menos, com o hospital.

Porém, cobram-nos, todos estes maus patrões, como se fôssemos, de fato, seus empregados; exigem dedicação, competência, responsabilidade e disponibilidade imediata. Como paga? A sensação do dever cumprido! Precisamos mudar imediatamente este panorama. O médico deve ter seu trabalho reconhecido. Temos de definir se somos liberais (com todos os bônus e ônus) ou empregados dos SUS (também com ônus e bônus). Neste caso, temos de receber pelo que fazemos diretamente em nossas contas, sem intermediários, e valores justos, não míseras esmolas! É mister dizer à sociedade que quem cuida da saúde1 somos nós, com o nosso trabalho, nossa dedicação e nosso conhecimento. Amamos o que fazemos, mas exigimos respeito. Queremos e devemos ter condições de trabalho e remuneração justa. Não podemos continuar a viver crises existenciais sem saber, efetivamente, o que é que somos no universo do Sistema Único de Saúde1. Vamos lutar pelo SUS, mas a sociedade tem de saber que existimos e somos, nós médicos, quem viabilizamos a sua existência.

RENATO FRANÇOSO FILHO
Diretor de Comunicação da Associação Paulista de Medicina

Artigo originalmente publicado na Revista da APM, edição de Junho de 2009.
NEWS.MED.BR, 2009. Opinião: A propósito da precarização do trabalho médico: vamos reagir agora mesmo!. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/opiniao/36603/opiniao-a-proposito-da-precarizacao-do-trabalho-medico-vamos-reagir-agora-mesmo.htm>. Acesso em: 18 abr. 2024.

Complementos

1 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
2 Hérnia: É uma massa circunscrita formada por um órgão (ou parte de um órgão) que sai por um orifício, natural ou acidental, da cavidade que o contém. Por extensão de sentido, excrescência, saliência.
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14/07/2009 - Complemento feito por José
Re: Opinião: A propósito da precarização do trabalho médico: vamos reagir agora mesmo!
Concordo plenamente com o Dr Renato e não se enganem pois a tendência é piorar. Enquanto não existir espírito de classe e cada um deixar de olhar só para o seu "umbigo" iremos assistir o desinteresse da classe política pelas políticas públicas de saude e o consequente aviltamento do trabalho médico.

02/07/2009 - Complemento feito por Vãnia
Re: Opinião: A propósito da precarização do trabalho médico: vamos reagir agora mesmo!
Gostaria de saber qual o local de trabalho do DR.Renato, pois moro num município em que os médicos não são tão precarizados no seu trabalho, com relação aos pagamentos e seus direitos trabalhistas.Considerando todo o relato miserável de um profissional, o médico, impossível não falar de alguns doutores que desrespeitam o usuário tanto nos consultórios do SUS quanto nos particulares, no que diz respeito aos horários.A consulta marcada para às 15h e o atendimento ser às 17h por exemplo.Sabemos do excesso de trabalho de alguns profissionais, que para ter uma renda razoável trabaham em vários locais e talvez o atraso.As posturas devem ser mudadas com certeza, seja no financiamento público para a saúde, nas próprias escolas de medicina e em especial o ser médico.Utopias a parte, uma conta recheada no banco, é o que mede alguns profissionais, na saúde e outros setores.

29/06/2009 - Complemento feito por Cristina
Re: Opinião: A propósito da precarização do trabalho médico: vamos reagir agora mesmo!
Como me identifico com essa situação! Há 19 anos lutando pelo SUS e pela dignidade do Ato Médico, e só encontrando dificuldades. Acredito que sem a união da classe médica continuaremos a ser massa de manobra na grande indústria do voto, e com certeza não haverá espaço para reconhecimento nem remuneração digna... abraços e parabéns pela assertiva do colega!
Cristina Druzian
CREMESC 13078

29/06/2009 - Complemento feito por Bruno
Re: Opinião: A propósito da precarização do trabalho médico: vamos reagir agora mesmo!
ouço essa história de problemas com a precarização do trabalho médico desde que me formei há 6 anos . são lamúrias , histórias tristes , enfim , tudo de ruim para a profissão , porém não vejop nada de realmente efetivo contra isso . O fato é : vamos parar com todo o atendimento de vez pelo SUS? Vamos exigir nosso respeito na força? O que vamos fazer de fato a respeito disso? Esta mais que na hora de médicos renomados (que não atendem pelo SUS , mas atendem por planos que também nos desrespeitam) aderirem à causa e irem para os meios de comunicaçao e falarem todas as mazelas que passamos e a população nem toma conhecimento e continua achando que ganhamos e vivemos muito bem . Basta com tudo isso . Os CFMS , CRMS e associações têm que mobilizar os médicos para adesão maciça para que decisões reais sejam tomadas.

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