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O uso prolongado de suplementos de melatonina para auxiliar o sono pode ter efeitos negativos para a saúde

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Destaques da pesquisa

• Uma revisão de prontuários médicos de mais de 130.000 adultos com insônia, que usaram melatonina por pelo menos um ano, ao longo de cinco anos, constatou que eles apresentavam maior probabilidade de serem diagnosticados com insuficiência cardíaca1, necessitarem de hospitalização devido à condição ou morrerem por qualquer causa.

• A associação entre melatonina e aumento do risco de insuficiência cardíaca1 ou morte encontrada neste estudo, que não comprova uma relação de causa e efeito, levanta preocupações quanto à segurança do uso da melatonina, que é amplamente disponível, e pode justificar mais pesquisas sobre a melatonina para avaliar sua segurança cardiovascular, afirmaram os pesquisadores.

• Nota: o estudo apresentado aqui é um resumo de pesquisa. Resumos apresentados em reuniões científicas da American Heart Association não são revisados por pares, e as conclusões são consideradas preliminares até serem publicadas como artigos completos em um periódico científico revisado por pares.

 

O uso prolongado de suplementos de melatonina, frequentemente utilizados para promover o sono e tratar a insônia, foi associado a um risco maior de diagnóstico2 de insuficiência cardíaca1, hospitalização por insuficiência cardíaca1 e morte por qualquer causa em casos de insônia crônica, de acordo com um estudo preliminar apresentado na American Heart Association’s Scientific Sessions 2025. O evento, que aconteceu de 7 a 10 de novembro em Nova Orleans, EUA, é um dos principais encontros globais para a troca das mais recentes descobertas científicas, pesquisas e atualizações de práticas clínicas baseadas em evidências na área de ciências cardiovasculares.

A melatonina é um hormônio3 produzido naturalmente pelo corpo através da glândula pineal4 e ajuda a regular o ciclo sono-vigília. Os níveis de melatonina aumentam durante a noite e diminuem durante o dia. Versões sintéticas quimicamente idênticas do hormônio3 são frequentemente utilizadas para tratar insônia (dificuldade em adormecer e/ou manter o sono) e jet lag. Os suplementos são amplamente disponíveis sem receita médica em muitos países, incluindo os EUA. Nos EUA, os suplementos vendidos sem receita não exigem aprovação governamental para garantir qualidade e consistência, portanto, cada marca de suplemento pode variar em potência, pureza, etc.

Neste estudo, os pesquisadores classificaram as pessoas que usaram melatonina a longo prazo (com uso a longo prazo definido como um ano ou mais documentado em seus registros eletrônicos de saúde5) como parte do “grupo da melatonina”. Em contraste, aqueles que nunca tiveram melatonina registrada em seus registros médicos foram classificados como o “grupo sem melatonina”.

Leia sobre "Tipos de insônia", "Distúrbios do sono" e "Alimentos que ajudam e que dificultam o sono".

“Os suplementos de melatonina podem não ser tão inofensivos quanto se presume. Se nosso estudo for confirmado, isso poderá afetar a forma como os médicos orientam os pacientes sobre auxiliares para dormir”, disse Ekenedilichukwu Nnadi, MD, autor principal do estudo e residente chefe de medicina interna na SUNY Downstate/Kings County Primary Care, no Brooklyn, Nova York, EUA.

Suplementos de melatonina são promovidos e comercializados como um auxílio seguro para o sono; no entanto, faltam dados que demonstrem sua segurança cardiovascular a longo prazo, o que motivou os pesquisadores a examinar se o uso de melatonina altera o risco de insuficiência cardíaca1, especificamente em pacientes com insônia crônica. De acordo com as Estatísticas de Doenças Cardíacas e Acidente Vascular Cerebral6 de 2025 da American Heart Association, a insuficiência cardíaca1 ocorre quando o coração7 não consegue bombear sangue8 rico em oxigênio suficiente para os órgãos do corpo para que funcionem adequadamente, sendo uma condição comum que afeta 6,7 milhões de adultos nos EUA.

Utilizando um grande banco de dados internacional (a Rede Global de Pesquisa TriNetX), os pesquisadores revisaram 5 anos de registros eletrônicos de saúde5 de adultos com insônia crônica que tinham registro de uso de melatonina em seus prontuários e que a utilizaram por mais de um ano. Esses pacientes foram comparados com indivíduos do mesmo banco de dados que também apresentavam insônia, mas que nunca tiveram registro de uso de melatonina em seus prontuários. Pessoas com diagnóstico2 prévio de insuficiência cardíaca1 ou que haviam recebido prescrição de outros medicamentos para dormir foram excluídas da análise.

A análise principal revelou:

  • Entre adultos com insônia, aqueles cujos registros eletrônicos de saúde5 indicavam o uso prolongado de melatonina (12 meses ou mais) apresentaram uma probabilidade cerca de 90% maior de desenvolver insuficiência cardíaca1 ao longo de 5 anos, em comparação com indivíduos não usuários correspondentes (4,6% vs. 2,7%, respectivamente).
  • Um resultado semelhante (probabilidade 82% maior) foi observado quando os pesquisadores analisaram pessoas que receberam pelo menos duas prescrições de melatonina com intervalo mínimo de 90 dias entre elas. (A melatonina só está disponível com receita médica no Reino Unido.)

Uma análise secundária constatou:

  • Os participantes que utilizavam melatonina apresentaram uma probabilidade quase 3,5 vezes maior de serem hospitalizados por insuficiência cardíaca1 em comparação com aqueles que não utilizavam (19,0% vs. 6,6%, respectivamente).
  • Os participantes do grupo que utilizava melatonina apresentaram uma probabilidade quase duas vezes maior de morrer por qualquer causa do que aqueles do grupo que não utilizava (7,8% vs. 4,3%, respectivamente) ao longo do período de 5 anos.

“Os suplementos de melatonina são amplamente considerados uma opção segura e ‘natural’ para melhorar o sono, por isso foi surpreendente observar aumentos tão consistentes e significativos em desfechos graves de saúde5, mesmo após considerar diversos outros fatores de risco”, disse Nnadi.

“Fico surpresa que médicos prescrevam melatonina para insônia e que pacientes a utilizem por mais de 365 dias, visto que a melatonina, pelo menos nos EUA, não é indicada para o tratamento da insônia. Nos EUA, a melatonina pode ser adquirida como suplemento sem receita médica, e as pessoas devem estar cientes de que seu uso crônico9 não deve ser considerado sem indicação adequada”, afirmou Marie-Pierre St-Onge, PhD, presidente do grupo de redação da declaração científica de 2025 da American Heart Association, ‘Saúde Multidimensional do Sono: Definições e Implicações para a Saúde5 Cardiometabólica’. St-Onge, que não participou deste estudo, é professora de medicina nutricional na divisão de medicina geral e diretora do Centro de Excelência em Pesquisa do Sono e Ritmos Circadianos do departamento de medicina do Columbia University Irving Medical Center, na cidade de Nova York.

O estudo apresenta limitações. Primeiro, o banco de dados inclui países que exigem prescrição médica para melatonina (como o Reino Unido) e países que não exigem (como os Estados Unidos), e a localização dos pacientes não fazia parte dos dados anonimizados disponíveis para os pesquisadores. Como o uso de melatonina no estudo foi baseado apenas em indivíduos identificados a partir dos registros de medicamentos no prontuário eletrônico, todos que a utilizavam como suplemento sem receita nos EUA ou em outros países que não exigem prescrição médica teriam sido incluídos no grupo que não utilizava melatonina; portanto, as análises podem não refletir essa realidade com precisão. Os índices de hospitalização também foram maiores do que os de diagnóstico2 inicial de insuficiência cardíaca1, porque uma variedade de códigos de diagnóstico2 relacionados pode ser inserida para a hospitalização, e eles podem não incluir sempre o código para um novo diagnóstico2 de insuficiência cardíaca1. Os pesquisadores também não tinham informações sobre a gravidade da insônia e a presença de outros transtornos psiquiátricos.

“Insônia mais grave, depressão/ansiedade ou o uso de outros medicamentos para melhorar o sono podem estar relacionados tanto ao uso de melatonina quanto ao risco cardíaco”, disse Nnadi. “Além disso, embora a associação que encontramos levante preocupações sobre a segurança do suplemento amplamente utilizado, nosso estudo não pode comprovar uma relação direta de causa e efeito. Isso significa que mais pesquisas são necessárias para testar a segurança da melatonina para o coração7.”

Saiba mais sobre "Melatonina: quando deve ser usada", "Insuficiência cardíaca congestiva10" e "Ciclos do sono".

Confira a seguir o resumo apresentado na reunião da American Heart Association.

Efeito da suplementação11 de melatonina a longo prazo na incidência12 de insuficiência cardíaca1 em pacientes com insônia

A insônia crônica afeta até um terço dos adultos, e a melatonina de venda livre é cada vez mais promovida como um auxílio para dormir “amigável para o sistema cardiometabólico”. Faltam dados robustos sobre sua segurança cardiovascular a longo prazo.

Consultou-se a Rede Global de Pesquisa TriNetX em busca de adultos com ≥18 anos com diagnóstico2 de insônia (CID-10 F51.0). A coorte13 exposta exigia ≥1 prescrição de melatonina e ≥365 dias de exposição; os controles não tiveram exposição à melatonina. Pacientes com insuficiência cardíaca1 (IC) prévia ou outros hipnóticos prescritos foram excluídos. O pareamento por escore de propensão (1:1, caliper 0,1) balanceou 65.414 usuários de melatonina com 65.414 controles em relação a dados demográficos, 15 comorbidades14, medicamentos cardiometabólicos concomitantes, exames laboratoriais, sinais vitais15 e utilização de serviços de saúde5 (todas as diferenças médias padronizadas pós-pareamento <0,02).

Os desfechos foram avaliados 5 anos após a data índice. O desfecho primário foi a incidência12 de IC (CID-10 I50). Os desfechos secundários foram hospitalização por IC e mortalidade16 por todas as causas. As razões de risco (HR) foram obtidas a partir de modelos de Cox estratificados.

Durante o acompanhamento de 5 anos, a incidência12 de IC ocorreu em 3.021 usuários de melatonina (4,6%) versus 1.797 controles (2,7%), correspondendo a uma HR de 1,89 (IC 95% 1,78-2,00) e uma diferença de risco absoluta de 1,9% (p <0,001).

A hospitalização relacionada à IC ocorreu em 12.411 usuários (19,0%) e 4.309 controles (6,6%) – HR 3,44 (IC 95% 3,32-3,56). A mortalidade16 por todas as causas foi maior nos usuários de melatonina (5.118 [7,8%] vs. 2.820 [4,3%]; HR 2,09, IC 95% 1,99-2,18).

Os resultados foram consistentes nas análises de sensibilidade que exigiam ≥2 dispensações de melatonina com intervalo ≥90 dias (HR para IC 1,82).

O estudo concluiu que, em uma grande coorte13 multinacional do mundo real, rigorosamente pareada em >40 variáveis basais, a suplementação11 de melatonina a longo prazo para insônia foi associada a um risco 89% maior de insuficiência cardíaca1 incidente17, um aumento de três vezes nas hospitalizações relacionadas à IC e uma duplicação da mortalidade16 por todas as causas ao longo de 5 anos.

Essas descobertas desafiam a percepção da melatonina como uma terapia crônica benigna e ressaltam a necessidade de ensaios randomizados para esclarecer seu perfil de segurança cardiovascular.

Veja também sobre "Insônia - informações básicas", "Práticas que preservam o sono e o bem-estar" e "Ritmo circadiano18 - como funciona e qual a sua importância".

 

Fontes:
American Heart Association’s Scientific Sessions 2025, apresentação em 10 de novembro de 2025.
American Heart Associantion, notícia publicada em 03 de novembro de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. O uso prolongado de suplementos de melatonina para auxiliar o sono pode ter efeitos negativos para a saúde. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/saude/1497940/o-uso-prolongado-de-suplementos-de-melatonina-para-auxiliar-o-sono-pode-ter-efeitos-negativos-para-a-saude.htm>. Acesso em: 9 dez. 2025.

Complementos

1 Insuficiência Cardíaca: É uma condição na qual a quantidade de sangue bombeada pelo coração a cada minuto (débito cardíaco) é insuficiente para suprir as demandas normais de oxigênio e de nutrientes do organismo. Refere-se à diminuição da capacidade do coração suportar a carga de trabalho.
2 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
3 Hormônio: Substância química produzida por uma parte do corpo e liberada no sangue para desencadear ou regular funções particulares do organismo. Por exemplo, a insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas que diz a outras células quando usar a glicose para energia. Hormônios sintéticos, usados como medicamentos, podem ser semelhantes ou diferentes daqueles produzidos pelo organismo.
4 Glândula Pineal: Órgão neuroendócrino sensível à luz, ligado ao teto do TERCEIRO VENTRÍCULO cerebral. A glândula pineal secreta MELATONINA, outras aminas biogênicas e neuropeptídeos. Sinônimos: Epífise Cerebral; Corpo Pineal
5 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
6 Acidente vascular cerebral: Conhecido popularmente como derrame cerebral, o acidente vascular cerebral (AVC) ou encefálico é uma doença que consiste na interrupção súbita do suprimento de sangue com oxigênio e nutrientes para o cérebro, lesando células nervosas, o que pode resultar em graves conseqüências, como inabilidade para falar ou mover partes do corpo. Há dois tipos de derrame, o isquêmico e o hemorrágico.
7 Coração: Órgão muscular, oco, que mantém a circulação sangüínea.
8 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
9 Crônico: Descreve algo que existe por longo período de tempo. O oposto de agudo.
10 Insuficiência Cardíaca Congestiva: É uma incapacidade do coração para efetuar as suas funções de forma adequada como conseqüência de enfermidades do próprio coração ou de outros órgãos. O músculo cardíaco vai diminuindo sua força para bombear o sangue para todo o organismo.
11 Suplementação: Que serve de suplemento para suprir o que falta, que completa ou amplia.
12 Incidência: Medida da freqüência em que uma doença ocorre. Número de casos novos de uma doença em um certo grupo de pessoas por um certo período de tempo.
13 Coorte: Grupo de indivíduos que têm algo em comum ao serem reunidos e que são observados por um determinado período de tempo para que se possa avaliar o que ocorre com eles. É importante que todos os indivíduos sejam observados por todo o período de seguimento, já que informações de uma coorte incompleta podem distorcer o verdadeiro estado das coisas. Por outro lado, o período de tempo em que os indivíduos serão observados deve ser significativo na história natural da doença em questão, para que haja tempo suficiente do risco se manifestar.
14 Comorbidades: Coexistência de transtornos ou doenças.
15 Sinais vitais: Conjunto de variáveis fisiológicas que são pressão arterial, freqüência cardíaca, freqüência respiratória e temperatura corporal.
16 Mortalidade: A taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um dado demográfico do número de óbitos, geralmente para cada mil habitantes em uma dada região, em um determinado período de tempo.
17 Incidente: 1. Que incide, que sobrevém ou que tem caráter secundário; incidental. 2. Acontecimento imprevisível que modifica o desenrolar normal de uma ação. 3. Dificuldade passageira que não modifica o desenrolar de uma operação, de uma linha de conduta.
18 Ritmo circadiano: Também conhecido como ciclo circadiano, o ritmo circadiano representa o período de um dia (24 horas) no qual se completam as atividades do ciclo biológico dos seres vivos. Uma das funções deste sistema é o ajuste do relógio biológico, controlando o sono e o apetite. Através de um marca-passo interno que se encontra no cérebro, o ritmo circadiano regula tanto os ritmos materiais quanto os psicológicos, o que pode influenciar em atividade como: digestão em vigília, renovação de células e controle de temperatura corporal.
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