Mudanças na microflora gástrica e pulmonar, com o uso de supressão ácida, podem resultar em crescimento excessivo de bactérias no estômago
O uso de supressão ácida tem sido associado a um aumento do risco de infecções1 do trato respiratório superior e inferior em ambiente ambulatorial, mas o mecanismo por trás desse aumento de risco é desconhecido. A hipótese do presente trabalho, publicado pelo periódico JAMA Pediatrics e coordenado por pesquisadores do Boston Children’s Hospital, é que este risco de infecção2 resulta do supercrescimento bacteriano gástrico com semeadura subsequente dos pulmões3.
Para determinar se o uso da supressão ácida resulta em crescimento excessivo de bactérias no estômago4, se houve alterações na microflora pulmonar associadas ao uso de supressão ácida e se as alterações na microflora do pulmão5 estão relacionadas ao refluxo gastroesofágico6 não ácido “full-column”, ou seja, o refluxo que ocorre dois centímetros distalmente ao esfíncter7 superior do esôfago8, foi realizado um estudo de coorte9 prospectivo10, de cinco anos, em um centro de atendimento terciário, onde crianças de 1 a 18 anos foram submetidas à broncoscopia11 e à endoscopia12 digestiva alta (EDA) para a avaliação de tosse crônica. O uso de supressão ácida foi avaliado através de questionários de confirmação usando uma revisão de prontuários eletrônicos.
O resultado primário foi comparar as diferenças de concentração e prevalência13 de bactérias gástricas e pulmonares entre os pacientes que estavam e não estavam recebendo terapia de supressão ácida. Após análises estatísticas, 46% por cento dos pacientes que tomavam medicamentos de supressão de ácido gástrico14 tiveram crescimento de bactérias em comparação com 18% dos pacientes não tratados (p=0,003). Staphylococcus (razão de prevalência13, 12,75 [IC 95%, 1,72-94,36]), Streptococcus (razão de prevalência13, 6,91 [IC 95%, 1,64-29,02]), Veillonella (razão de prevalência13, 9,56 [IC 95%, 1,26-72,67]), Dermabacter 4,78 (razão de prevalência13, [IC 95%, 1,09-21,02]) e Rothia 6,38 (razão de prevalência13, [IC 95%, 1,50-27,02]) foram encontrados mais comumente no fluido gástrico dos pacientes tratados. A concentração bacteriana média foi maior nos pacientes tratados do que em pacientes não tratados (p=0,001). Não havia diferença na prevalência13 (p>0,23) de diferentes gêneros bacterianos ou na concentração mediana total de bactérias (p=0,85) nos pulmões3 entre pacientes tratados e não tratados. Houve correlações positivas significativas entre a carga de refluxo não-ácido proximal15 e as concentrações proximais16 de Bacillus (r=0,47, p=0,005), Dermabacter (r=0,37, p=0,008), Lactobacillus (r=0,45, p=0,001), Peptostreptococcus (r=0,37, p=0,008) e Capnocytophagia (r=0,37, p=0,008) no pulmão5.
Concluiu-se que a supressão ácida resulta em crescimento excessivo de bactérias gástricas, incluindo Staphylococcus e Streptococcus. O refluxo gastroesofágico6 não-ácido full-column está associado a maiores concentrações de bactérias no pulmão5. Estudos adicionais são necessários para determinar se as mudanças da microflora relacionadas à supressão ácida podem prever algum risco de infecção2 clínica. Estes resultados sugerem que a utilização de supressão ácida precisa ser limitada para evitar problemas nos pacientes em risco de infecções1.
Fonte: JAMA Pediatrics, volume 168, número 10, de outubro de 2014