Antidepressivos variam muito em seus efeitos colaterais físicos
Antidepressivos podem ser muito eficazes e salvar vidas, mas descobertas de um novo estudo, publicado no The Lancet, reforçam a ideia de que as prescrições devem ser mais personalizadas.
O estudo aponta que os antidepressivos variam muito em relação aos efeitos colaterais1 que causam, desde ganho de peso até perda de peso e alterações na pressão arterial2. Isso precisa ser levado em consideração quando os médicos decidem qual das muitas opções desses medicamentos seria a melhor para cada indivíduo.
Cerca de 1 em cada 10 pessoas na Europa e nos EUA toma antidepressivos para tratar condições como depressão e ansiedade. Os sintomas3 de abstinência podem ser menos comuns do que se pensava, mas alguns estudos sugerem que também podem ocorrer efeitos colaterais1 físicos durante o uso desses medicamentos. Até agora, ainda não estava claro qual medicamento específico4 causa qual tipo de efeito colateral5.
Aprofundando-se na análise dos dados, Toby Pillinger, do King's College London, e seus colegas analisaram os resultados de 151 ensaios clínicos6 randomizados e controlados e 17 relatórios da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA. Esses estudos abrangeram 30 antidepressivos, cuja eficácia e efeitos colaterais1 foram comparados a placebos durante um tratamento de aproximadamente oito semanas para diversas condições psiquiátricas.
“A grande vantagem desses estudos é que todos foram controlados por placebo7 e randomizados, então podemos ter certeza de que as diferenças que estamos mostrando são devidas ao medicamento”, afirma Pillinger.
Leia: "Perguntas e respostas sobre antidepressivos" e "Principais transtornos mentais".
Os pesquisadores descobriram que alguns medicamentos estavam associados à perda de peso e outros ao ganho de peso. A maprotilina, por exemplo, foi associada a um ganho de peso médio de cerca de 1,8 kg, enquanto a agomelatina foi associada à perda de cerca de 2,4 kg.
O estudo também mostrou que o medicamento fluvoxamina foi associado à redução da frequência cardíaca em 8 batimentos por minuto (bpm), em média, mas a nortriptilina a aumentou em 13 bpm. A nortriptilina também reduziu a pressão arterial sistólica8 (a pressão arterial2 quando o coração9 se contrai) entre 3 e 7 milímetros de mercúrio (mmHg), enquanto a doxepina a elevou em quase 5 mmHg, o que pode ter efeitos negativos na saúde10 geral. “Cada aumento de 1 mmHg na pressão arterial2, em pessoas com hipertensão11, aumenta o risco de AVC em 1%”, afirma Oliver Howes, membro da equipe e também do King’s College London.
Outros medicamentos, como paroxetina, duloxetina, desvenlafaxina e venlafaxina, foram associados ao aumento do colesterol12. Não está claro se esses efeitos colaterais1 pioram, melhoram ou se estabilizam após oito semanas.
Apesar de estudos observacionais terem levantado preocupações de que os antidepressivos afetam os níveis de eletrólitos13, como o sódio, no sangue14, o que poderia impactar o ritmo cardíaco, “nosso estudo mostrou que, na verdade, não houve nenhum problema com o sódio”, diz Pillinger.
Das mais de 92 milhões de doses de antidepressivos prescritas na Inglaterra no ano passado, cerca de 85% eram de sertralina, mirtazapina, fluoxetina, amitriptilina, citalopram ou venlafaxina. Quatro desses medicamentos apresentaram um perfil relativamente bom para a maioria dos fatores analisados, mas a amitriptilina foi associada ao aumento de peso, da frequência cardíaca e da pressão arterial2, enquanto a venlafaxina elevou a frequência cardíaca, a pressão arterial2 e o colesterol12.
“Isso é muito informativo tanto para médicos quanto para pacientes”, afirma Mahyar Etminan, do grupo de consultoria em epidemiologia Epilytics, em Vancouver, Canadá. “Esses dados podem ser inseridos em um aplicativo, de modo que, por exemplo, se alguém tiver colesterol12 alto ou problemas cardiovasculares, o aplicativo poderá informar ao médico qual medicamento evitar. Isso dará aos médicos mais opções para escolher o antidepressivo mais adequado para cada paciente.”
Pillinger afirma que sua equipe está desenvolvendo uma ferramenta digital com um menu suspenso contendo os efeitos colaterais1 comuns de um antidepressivo, para que os médicos possam avaliar quais evitar ou até mesmo quais escolher, por exemplo, se a perda de peso for benéfica. “Trata-se de encontrar a molécula certa para a pessoa certa e praticar a prescrição personalizada”, diz Pillinger.
Mas John Ioannidis, da Universidade Stanford, na Califórnia, afirma que os resultados podem ser tendenciosos se a equipe incluiu apenas estudos que mostraram efeitos colaterais1. Outros estudos podem não ter encontrado efeitos colaterais1 e, portanto, não os relataram, o que significa que esses dados não foram incluídos na metanálise.
Ele também ressalta que as pessoas geralmente tomam antidepressivos por mais de 8 semanas; às vezes, por anos. “Seriam necessários estudos de longo prazo muito diferentes para demonstrar a presença e a relevância de tais efeitos, se houver, a longo prazo”, diz Ioannidis.
Em resposta, Pillinger afirma que “sempre existe o risco de viés”, mas “podemos ter relativa confiança de que reunimos a maior parte dos dados disponíveis”.
Ele reconhece que é necessária uma análise de estudos de longo prazo, na qual sua equipe está trabalhando, e destaca que cerca de 75% dos participantes nos ensaios clínicos6 existentes eram brancos. Mas ele acredita que os padrões identificados pela equipe aparecerão em estudos de longo prazo e provavelmente se aplicarão a outros grupos.
Estudos anteriores sugerem que alguns antidepressivos, como a venlafaxina, estão associados ao aumento da pressão arterial2 a longo prazo, afirma ele. O ganho de peso rápido também pode ser duradouro, acrescenta. “Uma vez que você ganha peso, é difícil perdê-lo.”
Pessoas que tomam antidepressivos e estão preocupadas com os efeitos colaterais1 não devem interromper o tratamento, diz Howes, pois esses medicamentos podem ser muito eficazes. “Essa é uma questão complexa; é uma decisão individual, que reflete o perfil de risco e os benefícios de cada pessoa. Se estiverem preocupados, recomendamos que conversem com seu médico.”
Saiba mais sobre "Peso ideal e como calculá-lo", "Pressão arterial2: o que é" e "Sinais vitais15 e suas funções".
Confira a seguir o resumo do artigo publicado.
Efeitos dos antidepressivos em parâmetros cardiometabólicos e outros parâmetros fisiológicos: uma revisão sistemática e metanálise em rede
Os antidepressivos induzem alterações fisiológicas16; no entanto, o grau em que essas alterações ocorrem no tratamento com diferentes antidepressivos não está claro. O objetivo deste estudo foi comparar e classificar antidepressivos com base em efeitos colaterais1 fisiológicos, sintetizando dados de ensaios clínicos6 randomizados (ECRs).
Realizou-se buscas nas bases de dados MEDLINE, EMBASE, PsycINFO, ClinicalTrials.gov e no site da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, desde a criação das bases de dados até 21 de abril de 2025. Foram incluídos ECRs simples-cegos e duplo-cegos que compararam antidepressivos e placebo7 em monoterapia aguda para qualquer transtorno psiquiátrico.
Realizou-se metanálises em rede de efeitos aleatórios com abordagem frequentista para investigar as alterações induzidas pelo tratamento em peso; colesterol12 total; glicose17; frequência cardíaca; pressão arterial sistólica8 e diastólica; intervalo QT corrigido (QTc); sódio; potássio; aspartato aminotransferase (AST); alanina aminotransferase (ALT); fosfatase alcalina18 (FA); bilirrubina19; ureia20; e creatinina21.
Realizou-se metarregressões para examinar as associações em nível de estudo entre a mudança fisiológica22 e a idade, o sexo e o peso basal. Estimou-se a correlação entre a mudança na gravidade dos sintomas3 depressivos e a mudança nos parâmetros metabólicos.
De 26.252 citações, 151 estudos e 17 relatórios da FDA atenderam aos critérios de inclusão. A amostra total incluiu 58.534 participantes, comparando 30 antidepressivos com placebo7. A duração mediana do tratamento foi de 8 semanas (intervalo interquartil [IQR] de 6,0 a 8,5).
Observou-se diferenças clinicamente significativas entre os antidepressivos em termos de efeitos metabólicos e hemodinâmicos, incluindo: uma diferença de aproximadamente 4 kg na variação de peso entre agomelatina e maprotilina; uma diferença de mais de 21 batimentos por minuto na variação da frequência cardíaca entre fluvoxamina e nortriptilina; e uma diferença de mais de 11 mmHg na pressão arterial sistólica8 entre nortriptilina e doxepina.
Paroxetina, duloxetina, desvenlafaxina e venlafaxina foram associadas a aumentos nas concentrações de colesterol12 total e, no caso da duloxetina, de glicose17, apesar de todos os fármacos reduzirem o peso corporal.
Houve fortes evidências de que duloxetina, desvenlafaxina e levomilnaciprano aumentaram as concentrações de AST, ALT e FA, embora a magnitude dessas alterações não tenha sido considerada clinicamente significativa.
Não encontrou-se fortes evidências de que qualquer antidepressivo afete o intervalo QTc ou as concentrações de sódio, potássio, ureia20 e creatinina21 em uma extensão clinicamente significativa.
Um peso corporal basal mais elevado foi associado a maiores aumentos induzidos por antidepressivos na pressão arterial sistólica8, na ALT e na AST; e uma idade basal mais elevada foi associada a maiores aumentos induzidos por antidepressivos na glicose17.
Não observou-se associação entre alterações nos sintomas3 depressivos e distúrbios metabólicos.
Foram encontradas, portanto, fortes evidências de que os antidepressivos diferem acentuadamente em seus efeitos fisiológicos, particularmente em relação aos parâmetros cardiometabólicos.
As diretrizes de tratamento devem ser atualizadas para refletir as diferenças no risco fisiológico23, mas a escolha do antidepressivo deve ser feita individualmente, considerando a apresentação clínica e as preferências dos pacientes, cuidadores e médicos.
Veja também: "Informações importantes sobre medicamentos" e "Uso excessivo de antidepressivos".
Fontes:
The Lancet, Vol. 406, N° 10515, em 01 de novembro de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 21 de outubro de 2025.










