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Bactérias sequestram a comunicação cruzada entre células nervosas e imunes para causar meningite

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Um novo estudo liderado por pesquisadores da Harvard Medical School detalha a cascata passo a passo que permite que as bactérias rompam as camadas protetoras do cérebro1 – as meninges2 – e causem infecção3 cerebral, ou meningite4, uma doença altamente fatal.

A pesquisa, realizada em camundongos e publicada na Nature, mostra que as bactérias exploram as células nervosas5 das meninges2 para suprimir a resposta imune e permitir que a infecção3 se espalhe para o cérebro1.

“Identificamos um eixo neuroimune nas fronteiras protetoras do cérebro1 que é sequestrado por bactérias para causar infecção3 – uma manobra inteligente que garante a sobrevivência6 bacteriana e leva à disseminação da doença”, disse o autor sênior7 do estudo Isaac Chiu, professor associado de imunologia no Instituto Blavatnik na HMS.

O estudo identifica dois atores centrais nessa cadeia molecular de eventos que leva à infecção3 – uma substância química liberada pelas células nervosas5 e um receptor de célula8 imune bloqueado pela substância química. Os experimentos do estudo mostram que o bloqueio de qualquer um deles pode interromper a cascata e impedir a invasão bacteriana.

Se replicadas por meio de mais pesquisas, as novas descobertas podem levar a terapias muito necessárias para essa condição difícil de tratar, que muitas vezes deixa aqueles que sobrevivem com sérios danos neurológicos.

Esses tratamentos teriam como alvo as etapas iniciais críticas da infecção3, antes que as bactérias possam se espalhar profundamente no cérebro1.

“As meninges2 são a barreira tecidual final antes que os patógenos entrem no cérebro1, então temos que focar nossos esforços de tratamento no que acontece neste tecido9 fronteiriço”, disse o primeiro autor do estudo, Felipe Pinho-Ribeiro, ex-pesquisador de pós-doutorado no laboratório Chiu, agora um professor assistente na Universidade de Washington em St. Louis.

Saiba mais sobre "Meningite4" e "O que são bactérias".

No estudo, os pesquisadores se concentraram em dois patógenos – Streptococcus pneumoniae e Streptococcus agalactiae, principais causas de meningite4 bacteriana em humanos.

Em uma série de experimentos, a equipe descobriu que, quando as bactérias atingem as meninges2, os patógenos desencadeiam uma cadeia de eventos que culmina na infecção3 disseminada.

Primeiro, os pesquisadores descobriram que as bactérias liberam uma toxina10 que ativa os neurônios11 da dor nas meninges2. A ativação dos neurônios11 da dor por toxinas12 bacterianas, observaram os pesquisadores, poderia explicar a forte e intensa dor de cabeça13 que é uma característica da meningite4.

Em seguida, os neurônios11 ativados liberam uma substância química de sinalização chamada CGRP. O CGRP se liga a um receptor de célula8 imune chamado RAMP1. O RAMP1 é particularmente abundante na superfície das células14 imunes chamadas macrófagos15.

Uma vez que o produto químico envolve o receptor, a célula8 imune é efetivamente desativada. Em condições normais, assim que os macrófagos15 detectam a presença de bactérias, eles entram em ação para atacá-las, destruí-las e engolfá-las. Os macrófagos15 também enviam sinais16 de socorro para outras células14 imunes para fornecer uma segunda linha de defesa. Os experimentos da equipe mostraram que, quando o CGRP é liberado e se liga ao receptor RAMP1 nos macrófagos15, ele impede que essas células14 imunológicas recrutem a ajuda de outras células14 imunológicas. Como resultado, as bactérias proliferaram e causaram uma infecção3 generalizada.

Para confirmar que a ativação induzida por bactérias dos neurônios11 da dor foi o primeiro passo crítico para desabilitar as defesas do cérebro1, os pesquisadores verificaram o que aconteceria com camundongos infectados sem neurônios11 de dor.

Camundongos sem neurônios11 de dor desenvolveram infecções17 cerebrais menos graves quando infectados com dois tipos de bactérias conhecidas por causar meningite4. As meninges2 desses camundongos, mostraram os experimentos, tinham altos níveis de células14 imunológicas para combater as bactérias. Por outro lado, as meninges2 de camundongos com neurônios11 de dor intactos mostraram respostas imunes escassas e muito menos células14 imunológicas ativadas, demonstrando que os neurônios11 são sequestrados por bactérias para subverter a proteção imunológica.

Para confirmar que o CGRP era, de fato, o sinal18 ativador, os pesquisadores compararam os níveis de CGRP no tecido9 meníngeo de camundongos infectados com neurônios11 de dor intactos e tecido9 meníngeo de camundongos sem neurônios11 de dor. As células14 cerebrais de camundongos sem neurônios11 de dor tinham níveis quase indetectáveis de CGRP e poucos sinais16 de presença bacteriana. Por outro lado, as células14 meníngeas19 de camundongos infectados com neurônios11 de dor intactos mostraram níveis acentuadamente elevados de CGRP e mais bactérias.

Em outro experimento, os pesquisadores usaram uma substância química para bloquear o receptor RAMP1, impedindo-o de se comunicar com o CGRP, a substância química liberada pelos neurônios11 de dor ativados. O bloqueador de RAMP1 funcionou tanto como tratamento preventivo20 antes da infecção3 quanto como tratamento após a ocorrência da infecção3.

Camundongos pré-tratados com bloqueadores de RAMP1 mostraram presença bacteriana reduzida nas meninges2. Da mesma forma, camundongos que receberam bloqueadores de RAMP1 várias horas após a infecção3 e regularmente depois disso apresentaram sintomas21 mais leves e foram mais capazes de eliminar bactérias, em comparação com animais não tratados.

Os experimentos sugerem que drogas que bloqueiam o CGRP ou o RAMP1 podem permitir que as células14 imunológicas façam seu trabalho adequadamente e aumentem as defesas de fronteira do cérebro1.

Os compostos que bloqueiam o CGRP e o RAMP1 são encontrados em medicamentos amplamente utilizados para tratar a enxaqueca22, uma condição que se acredita ter origem na camada meníngea23 superior, a dura-máter24. Esses compostos poderiam se tornar a base de novos medicamentos para tratar a meningite4? É uma questão que os pesquisadores dizem merecer uma investigação mais aprofundada.

Uma linha de pesquisa futura poderia examinar se os bloqueadores de CGRP e RAMP1 poderiam ser usados em conjunto com antibióticos para tratar meningite4 e aumentar a proteção.

“Qualquer coisa que encontrarmos que possa afetar o tratamento da meningite4 durante os estágios iniciais da infecção3, antes que a doença se agrave e se espalhe, pode ser útil para diminuir a mortalidade25 ou minimizar os danos subsequentes”, disse Pinho-Ribeiro.

De forma mais ampla, o contato físico direto entre as células14 imunes e as células nervosas5 nas meninges2 oferece novos caminhos tentadores para a pesquisa.

“Tem que haver uma razão evolutiva pela qual os macrófagos15 e os neurônios11 da dor residem tão próximos”, disse Chiu. “Com nosso estudo, descobrimos o que acontece no cenário de infecção3 bacteriana, mas, além disso, como eles interagem durante a infecção3 viral, na presença de células14 tumorais ou no cenário de lesão26 cerebral? Todas essas são questões futuras importantes e fascinantes.”

Confira o resumo do artigo publicado:

Bactérias sequestram um eixo neuroimune meníngeo para facilitar a invasão cerebral

As meninges2 são densamente inervadas por neurônios11 sensoriais nociceptivos que medeiam a dor e a cefaleia27. A meningite4 bacteriana causa infecções17 potencialmente fatais das meninges2 e do sistema nervoso central28, afetando mais de 2,5 milhões de pessoas por ano. Não está claro como a dor e as interações neuroimunes afetam as defesas antibacterianas meníngeas19 do hospedeiro.

Neste estudo mostrou-se que os nociceptores Nav1.8+ sinalizam para células14 imunes nas meninges2 através do neuropeptídeo peptídeo relacionado ao gene da calcitonina29 (CGRP) durante a infecção3. Esse eixo neuroimune inibe as defesas do hospedeiro e exacerba a meningite4 bacteriana.

A ablação30 de neurônios11 nociceptores reduziu a invasão meníngea23 e cerebral por dois patógenos bacterianos: Streptococcus pneumoniae e Streptococcus agalactiae. S. pneumoniae ativou nociceptores através de sua toxina10 formadora de poros pneumolisina para liberar CGRP dos terminais nervosos.

O CGRP atuou através da proteína 1 modificadora da atividade do receptor (RAMP1) em macrófagos15 meníngeos para polarizar suas respostas transcricionais, suprimindo a expressão de quimiocinas de macrófagos15, o recrutamento de neutrófilos31 e as defesas antimicrobianas durais.

A deficiência de RAMP1 específica de macrófagos15 ou o bloqueio farmacológico de RAMP1 aumentou as respostas imunes e a depuração bacteriana nas meninges2 e no cérebro1.

Portanto, as bactérias sequestram a sinalização CGRP-RAMP1 nos macrófagos15 meníngeos para facilitar a invasão cerebral. Visar como alvo esse eixo neuroimune nas meninges2 pode aumentar as defesas do hospedeiro e potencialmente produzir tratamentos para meningite4 bacteriana.

Leia sobre "Sistema imunológico32" e "Causas das meningites33".

 

Fontes:
Nature, publicação em 01 de março de 2023.
Harvard Medical School, notícia publicada em 01 de março de 2023.

 

NEWS.MED.BR, 2023. Bactérias sequestram a comunicação cruzada entre células nervosas e imunes para causar meningite. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1435200/bacterias-sequestram-a-comunicacao-cruzada-entre-celulas-nervosas-e-imunes-para-causar-meningite.htm>. Acesso em: 19 abr. 2024.

Complementos

1 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
2 Meninges: Conjunto de membranas que envolvem o sistema nervoso central. Cumprem funções de proteção, isolamento e nutrição. São três e denominam-se dura-máter, pia-máter e aracnóide.
3 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
4 Meningite: Inflamação das meninges, aguda ou crônica, quase sempre de origem infecciosa, com ou sem reação purulenta do líquido cefalorraquidiano. As meninges são três membranas superpostas (dura-máter, aracnoide e pia-máter) que envolvem o encéfalo e a medula espinhal.
5 Células Nervosas: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO.
6 Sobrevivência: 1. Ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a existir. 2. Característica, condição ou virtude daquele ou daquilo que subsiste a um outro. Condição ou qualidade de quem ainda vive após a morte de outra pessoa. 3. Sequência ininterrupta de algo; o que subsiste de (alguma coisa remota no tempo); continuidade, persistência, duração.
7 Sênior: 1. Que é o mais velho. 2. Diz-se de desportistas que já ganharam primeiros prêmios: um piloto sênior. 3. Diz-se de profissionais experientes que já exercem, há algum tempo, determinada atividade.
8 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
9 Tecido: Conjunto de células de características semelhantes, organizadas em estruturas complexas para cumprir uma determinada função. Exemplo de tecido: o tecido ósseo encontra-se formado por osteócitos dispostos em uma matriz mineral para cumprir funções de sustentação.
10 Toxina: Substância tóxica, especialmente uma proteína, produzida durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capaz de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
11 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
12 Toxinas: Substâncias tóxicas, especialmente uma proteína, produzidas durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capazes de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
13 Cabeça:
14 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
15 Macrófagos: É uma célula grande, derivada do monócito do sangue. Ela tem a função de englobar e destruir, por fagocitose, corpos estranhos e volumosos.
16 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
17 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
18 Sinal: 1. É uma alteração percebida ou medida por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida. 2. Som ou gesto que indica algo, indício. 3. Dinheiro que se dá para garantir um contrato.
19 Meníngeas: Relativas ou próprias da meninge.
20 Preventivo: 1. Aquilo que previne ou que é executado por medida de segurança; profilático. 2. Na medicina, é qualquer exame ou grupo de exames que têm por objetivo descobrir precocemente lesão suscetível de evolução ameaçadora da vida, como as lesões malignas. 3. Em ginecologia, é o exame ou conjunto de exames que visa surpreender a presença de lesão potencialmente maligna, ou maligna em estágio inicial, especialmente do colo do útero.
21 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
22 Enxaqueca: Sinônimo de migrânea. É a cefaléia cuja prevalência varia de 10 a 20% da população. Ocorre principalmente em mulheres com uma proporção homem:mulher de 1:2-3. As razões para esta preponderância feminina ainda não estão bem entendidas, mas suspeita-se de alguma relação com o hormônio feminino. Resulta da pressão exercida por vasos sangüíneos dilatados no tecido nervoso cerebral subjacente. O tratamento da enxaqueca envolve normalmente drogas vaso-constritoras para aliviar esta pressão. No entanto, esta medicamentação pode causar efeitos secundários no sistema circulatório e é desaconselhada a pessoas com problemas cardiológicos.
23 Meníngea: Relativa ou própria da meninge.
24 Dura-Máter: A mais externa das três MENINGES, uma membrana fibrosa de tecido conjuntivo que cobre o encéfalo e cordão espinhal.
25 Mortalidade: A taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um dado demográfico do número de óbitos, geralmente para cada mil habitantes em uma dada região, em um determinado período de tempo.
26 Lesão: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
27 Cefaleia: Sinônimo de dor de cabeça. Este termo engloba todas as dores de cabeça existentes, ou seja, enxaqueca ou migrânea, cefaleia ou dor de cabeça tensional, cefaleia cervicogênica, cefaleia em pontada, cefaleia secundária a sinusite, etc... são tipos dentro do grupo das cefaleias ou dores de cabeça. A cefaleia tipo tensional é a mais comum (acomete 78% da população), seguida da enxaqueca ou migrânea (16% da população).
28 Sistema Nervoso Central: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
29 Calcitonina: Hormônio secretado pela glândula tireoide que inibe a perda de cálcio dos ossos.
30 Ablação: Extirpação de qualquer órgão do corpo.
31 Neutrófilos: Leucócitos granulares que apresentam um núcleo composto de três a cinco lóbulos conectados por filamenos delgados de cromatina. O citoplasma contém grânulos finos e inconspícuos que coram-se com corantes neutros.
32 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
33 Meningites: Inflamação das meninges, aguda ou crônica, quase sempre de origem infecciosa, com ou sem reação purulenta do líquido cefalorraquidiano. As meninges são três membranas superpostas (dura-máter, aracnoide e pia-máter) que envolvem o encéfalo e a medula espinhal.
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