Opioides podem causar mais danos do que benefícios após cirurgia leve a moderada
As prescrições de opioides após cirurgias pequenas a moderadas não reduzem a dor após a alta do paciente, de acordo com uma nova metanálise publicada no The Lancet. Os pesquisadores também descobriram que os pacientes que recebem prescrições de opioides correm maior risco de eventos adversos, incluindo vômitos1, náuseas2 e constipação3.
“A prescrição de opioides após a cirurgia está inserida na cultura de saúde4 da América do Norte, enquanto em muitos outros países os opioides raramente são prescritos após a alta cirúrgica”, Julio F. Fiore Jr, PhD, primeiro autor da análise e professor assistente no departamento de cirurgia da Universidade McGill, Montreal, Canadá, disse ao Medscape Medical News por e-mail.
“Não encontramos evidências de que regimes de analgesia incluindo opioides sejam superiores à analgesia sem opioides, usando analgésicos5 simples de venda livre. Esses achados são de grande importância para médicos e pacientes, pois, em última análise, o controle da dor após a cirurgia deve ser guiado por evidências, e não por tradição e dogma”, observou.
Leia sobre "Diferenças entre anestesia6, analgesia e sedação7" e "Oxicodona: remédio ou droga?"
A prescrição excessiva de opioides após a cirurgia contribuiu para a atual crise de opioides; entretanto, o valor da prescrição de opioides na alta cirúrgica permanece incerto.
Nesse contexto, o objetivo do estudo foi estimar até que ponto a prescrição de opioides após a alta afeta a intensidade da dor autorrelatada e os eventos adversos em comparação com um regime analgésico8 sem opioides.
Nesta revisão sistemática e metanálise, foram pesquisadas as bases de dados MEDLINE, Embase, Cochrane Library, Scopus, AMED, Biosis e CINAHL de 1º de janeiro de 1990 a 8 de julho de 2021.
Foram incluídos estudos controlados, randomizados, multidose comparando analgesia com opioide versus livre de opioides em pacientes com idade igual ou superior a 15 anos, que receberam alta após procedimento cirúrgico de acordo com a definição Physiological and Operative Severity Score for the Enumeration of Mortality and Morbidity (menor, moderada, maior e maior complexa).
Selecionou-se os artigos, extraiu-se os dados e avaliou-se o risco de viés (ferramenta de risco de viés da Cochrane para ensaios randomizados) em duplicata.
Os desfechos primários de interesse foram intensidade de dor autorrelatada no primeiro dia após a alta (padronizada para escala visual analógica de 0 a 10 cm) e vômitos1 em até 30 dias. A intensidade da dor em outros momentos, interferência da dor, outros eventos adversos, risco de insatisfação e reutilização de cuidados de saúde4 também foram avaliados.
Foram feitas metanálises de efeitos aleatórios e avaliou-se a certeza das evidências usando o sistema de pontuação Grading of Recommendations, Assessment, Development, and Evaluations.
47 ensaios (n = 6.607 pacientes) foram incluídos. 30 (64%) ensaios envolveram procedimentos eletivos9 menores (63% procedimentos odontológicos) e 17 (36%) ensaios envolveram procedimentos de extensão moderada (47% procedimentos ortopédicos e 29% procedimentos de cirurgia geral).
Em comparação com a analgesia livre de opioides, a prescrição de opioides não reduziu a dor no primeiro dia após a alta (diferença média ponderada 0,01 cm, IC 95% -0,26 a 0,27; certeza moderada) ou em outros momentos no pós-operatório (certeza moderada a muito baixa).
A prescrição de opioides foi associada ao aumento do risco de vômito10 (risco relativo 4,50, IC 95% 1,93 a 10,51; certeza alta) e outros eventos adversos, incluindo náusea11, constipação3, tontura12 e sonolência (certeza alta a moderada). Os opioides não afetaram outros desfechos.
Os achados desta metanálise sustentam que a prescrição de opioides na alta cirúrgica não reduz a intensidade da dor, mas aumenta os eventos adversos. As evidências se basearam em estudos focados em cirurgias eletivas13 de extensão menor e moderada, sugerindo que os médicos podem considerar prescrever analgesia sem opioides nesses ambientes cirúrgicos.
Os dados foram em grande parte derivados de estudos de baixa qualidade, e nenhum envolveu pacientes com procedimentos maiores ou de maior complexidade. Dadas essas limitações, há uma grande necessidade de avançar na qualidade e no escopo da pesquisa neste campo.
Saiba mais sobre "A dor como relatada pelos pacientes" e "Considerações sobre a clínica da dor".
Fontes:
The Lancet, Vol. 399, Nº 10343, em 18 de junho de 2022.
Medscape, notícia publicada em 29 de junho de 2022.