NEJM: tratamento com biotina pode imitar a doença de Graves e gerar tratamentos desnecessários
A biotina é uma vitamina1 amplamente utilizada como suplemento adquirido sem prescrição médica. Ela desempenha um papel importante na terapia de várias doenças metabólicas hereditárias (por exemplo, doença dos gânglios2 basais sensível à biotina e deficiência de biotinidase). Além disso, a biotina é frequentemente usada como um tratamento de suporte em pacientes com distúrbios do metabolismo3 energético mitocondrial. Nestes pacientes, as doses são consideravelmente mais elevadas (2 a 15 mg por quilograma de peso corporal por dia) do que a ingestão dietética de referência para crianças (5 a 25 µg por quilograma por dia). O valor em suplementos dietéticos que não necessitam de prescrição médica para serem adquiridos varia consideravelmente (até 10 mg por comprimido).
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Estudo publicado pelo The New England Journal of Medicine (NEJM) relatou que seis crianças que receberam tratamento com biotina em dose elevada, no contexto das doenças metabólicas hereditárias, surpreendentemente, apresentaram resultados laboratoriais sugestivos de doença de Graves durante exames de rotina: níveis excessivamente elevados de tiroxina livre (T4) e triiodotironina total (T3), baixos níveis de tireotrofina e níveis elevados de anticorpos4 antirreceptor de TSH.
A medicação antitireoidiana foi iniciada em pelo menos três crianças. No entanto, apenas uma criança apresentou sintomas5 atribuíveis ao hipertireoidismo6 (taquicardia7, agitação e atraso no crescimento) e os exames ultrassonográficos da tireoide8, incluindo estudos de fluxo com Doppler, foram normais em todos os pacientes examinados.
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Em busca de uma explicação para este fenômeno incomum, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, que revelou que a biotina pode interferir com os exames mais comuns de hormônios tireoidianos e tireotrofina. Os resultados foram falsamente aumentados ou diminuídos de acordo com o método competitivo de medida (para T4 livre e T3 total) ou método não-competitivo (para tireotrofina) utilizado. Além disso, a biotina também interferiu de uma forma competitiva com o método utilizado para a detecção de anticorpos4 antirreceptores de TSH. Juntos, estes efeitos resultaram em um padrão de laboratório indistinguível da doença de Graves.
Após interrupção do tratamento com biotina, foi relatado que a interferência com os testes laboratoriais desapareceu dentro de oito horas. Nos pacientes relatados neste estudo, os níveis de tireotrofina e hormônios da tireoide8 foram normalizados de 24 a 48 horas após a descontinuação da biotina, enquanto que os níveis de anticorpos4 antirreceptores de tireotrofina levaram até sete dias para se normalizar.
Assim, o tratamento com biotina em dose elevada pode causar de maneira insidiosamente enganosa resultados de laboratório que mimetizam inteiramente o padrão de laboratório típico da doença de Graves e, por vezes, persiste durante vários dias após o uso da biotina. Em particular, os pacientes com distúrbios neurometabólicos podem apresentar-se com sintomas5 que podem ser facilmente mal interpretados neste contexto (por exemplo, insuficiência9 de crescimento e disfunção autonômica como taquicardia7 e febre10). Isto pode levar a um tratamento desnecessário com medicamentos antitireoidianos e, assim, causar hipotireoidismo11 não reconhecido que pode ser prejudicial, especialmente para crianças jovens.
Além disso, o tratamento com biotina interfere potencialmente com outros imunoensaios de estreptavidina-biotina. Embora os fabricantes estejam cientes deste problema potencial, esta fonte de erro geralmente não é referenciada para o médico em relatórios de laboratório. Os pesquisadores acreditam que é fundamental aumentar a sensibilização para este problema dentro da comunidade médica.
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Fonte: New England Journal of Medicine (NEJM), de 18 de agosto de 2016