Análise de mutações genéticas em pacientes com insensibilidade congênita à dor revela novo alvo para medicamentos analgésicos
A dor crônica é um importante problema de saúde1, e a busca por novos analgésicos2 tem se tornado cada vez mais importante devido às propriedades viciantes e efeitos colaterais3 indesejados dos opioides.
Pesquisadores do departamento de Bioquímica do Instituto de Química (IQ) da USP acreditam que pessoas que não sentem dor podem ser a chave para a descoberta de novas classes de analgésicos2. Com base nessa ideia, a professora Deborah Schechtman e sua equipe analisaram mutações genéticas em pacientes com insensibilidade congênita4 à dor com anidrose (CIPA) e identificaram proteínas5 modificadas que impedem a transmissão do impulso doloroso.
A partir dos dados obtidos, eles desenvolveram um peptídeo, o TAT-pQYP, que apresentou efeito analgésico6 em um modelo animal de dor inflamatória. Os resultados foram publicados como matéria de capa da revista Science Signaling.
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“Pessoas que têm mutações no receptor do fator de crescimento neural (NGF) não sentem dor. Fizemos um estudo detalhado das mutações descritas na literatura para essa doença e modelamos os efeitos das diferentes mutações encontradas em pacientes. Ao entender o que acontece com pessoas que não sentem dor, podemos mimetizar essa situação para tratar quem sente dor e também tentar uma inibição mais específica para algum processo, evitando efeitos colaterais3,” afirma a professora Débora Schechtman.
Para explorar potenciais novos alvos de medicamentos, os pesquisadores investigaram mutações no gene NTRK1 encontradas em indivíduos com CIPA. O NTRK1 codifica o receptor de tropomiosina quinase A (TrkA), o receptor do fator de crescimento neural (NGF) e que contribui para a nocicepção, sendo um alvo atrativo para aliviar a dor.
No entanto, o TrkA medeia outras vias de sinalização que são críticas para a função neuronal e sobrevivência7. Portanto, para encontrar alvos específicos dentro de suas vias mediadoras da dor, foram examinadas as consequências estruturais das mutações no TrkA que causam a CIPA.
A modelagem molecular e a análise bioquímica identificaram mutações que diminuíram a interação entre TrkA e um de seus substratos e efetores de sinalização, a fosfolipase Cγ (PLCγ).
Foi desenvolvido então um fosfopeptídeo permeável à célula8 derivado de TrkA (TAT-pQYP) que se liga ao domínio de homologia de Src tipo 2 (SH2) da PLCγ para interromper de maneira semelhante a interação em células cultivadas9.
Em células10 HEK-293T, o TAT-pQYP inibiu a ligação do TrkA expresso de forma heteróloga à PLCγ e diminuiu a ativação e sinalização da PLCγ mediada por TrkA induzida por NGF.
Em camundongos, a administração intraplantar de TAT-pQYP diminuiu a sensibilidade mecânica em um modelo de dor inflamatória, sugerindo que ter essa interação como alvo pode causar efeito analgésico6.
Os achados demonstram, assim, uma estratégia para identificar novos alvos para o alívio da dor por meio da análise das vias de sinalização que são perturbadas na insensibilidade congênita4 à dor com anidrose.
Leia sobre "Considerações sobre a clínica da dor" e "O que é dor e como a sentimos".
Fontes:
Science Signaling, Vol. 15, Nº 731, em 26 de abril de 2022.
Jornal da USP, notícia publicada em 05 de maio de 2022.